Flieg. Tudo que é sólido (IMS Paulista, 22/8/2023 a 15/1/2024)

“Hans Gunter Flieg trabalhou como fotógrafo em São Paulo de 1945 até a década de 1980, com foco em fotografia industrial, publicitária, arquitetônica e artística, sempre com alto rigor formal. Esta exposição celebra o centenário do fotógrafo com 108 obras de parede e cerca de 50 originais em vitrines, incluindo calendários, impressos, álbuns e câmeras. As obras estão organizadas nos núcleos Arquitetura Industrial, Indústria e Produto e Publicidade, destacando a associação de Flieg com a escola alemã da Nova Objetividade.”

Clique na imagem para acessar hotsite e texto curatorial

Curadoria
Sergio Burgi

Evento comemorativo dos 100 anos de Hans Günter Flieg em 3 de julho de 2023

IMS Paulista, agosto de 2023 a janeiro de 2024

É (tudo) verdade: festival de documentários homenageia H. G. Flieg

Homenagem ao fotógrafo Hans Gunter Flieg no cartaz do festival É tudo verdade 2023

O festival internacional de documentários – É tudo verdade / It’all true 2023 – em sua 28ª edição, a partir de 13 de abril de 2023, faz homenagem ao fotógrafo documental Hans Günter Flieg.

Nascido em 1923, o fotógrafo comemora em julho seu centenário, o que motivou os organizadores do evento a utilizar autorretrato do jovem fotógrafo realizado no início da década de 1940 no cartaz e em todos os materiais de difusão do festival. Ativo no Brasil entre os anos 1940 e 1980, Flieg teve papel relevante na fotografia industrial e de publicidade a partir da cidade de São Paulo ao lado de outros profissionais como Peter Scheier (1908-1979) e Klaus Werner (1921-2018). Sua produção fotográfica integra o acervo do Instituto Moreira Salles.

Cartaz da edição 2023


Assista o vídeo da coletiva de imprensa, realizada em 28.03.2023: a partir dos 17′ Amir Labaki, diretor do evento, comenta a escolha.

Vinheta do evento

Festival É tudo verdade http://etudoverdade.com.br – Vinheta

Conheça também:
Instituto Moreira Salles – hotsite: https://ims.com.br
Flieg de Bolso, página do projeto FotoPlus, com base de dados sobre a produção: http://fotoplus.com/flieg/

Cecílio Coimbra de Araújo (1920-2001): SEAFESP

Este texto é uma nota escrita em 2001 após a morte do advogado Cecílio Coimbra de Araújo, assessor de longa data do Sindicato das Empresas Fotográficas do Estado de São Paulo, fundado em 1941. É um breve depoimento de Hans Günter Flieg, que o conheceu quando associado.

“Neste  mês de janeiro de 2001 faleceu, aos 80 anos, o Dr. Cecílio Coimbra de Araújo.

Durante dezenas de anos, o Dr. Cecílio ocupava o cargo de assessor  do Sindicato das Empresas de Artes Fotográficas do Estado de São Paulo – SEAFESP.

Iniciara ele sua carreira assistindo ao seu primo, o Dr. José Afonso de Araújo Almeida, fundador e primeiro advogado do Sindicato, e foi o Dr. Cecílio quem lavrou a primeira ata.

Muito mais do que jurista, Dr. Cecílio tornou-se algo como a coluna vertebral do Sindicato, padrão moral, incentivador e executor de novas iniciativas. Dr. Cecílio foi um missionário no melhor sentido, tomando a si a educação de todos os fotógrafos sindicalizados em São Paulo. Providenciou cursos e palestras sobre assuntos variados e da vida diária dos profissionais. Aspectos legais, impostos, cursos de oratória, de iluminação de estúdio, são temas que me ocorrem.

Por volta de 1960 foi editor da revista Objetiva, órgão do SEAFESP.

Enorme foi seu esforço para a regulamentação da profissão – contatos com políticos, viagens a Brasília.

Vital foi sua atuação na organização de outros sindicatos pelo país afora e da Federação.

Dr. Cecílio organizou vários congressos em São Paulo e ajudou organizá-los em outras cidades, como Curitiba, Belo Horizonte, Salvador e Recife. Durante estes congressos, seguramente em São Paulo, aconteciam as primeiras feiras de material fotográfico. Lembro-me bem de algumas no Hotel Hilton.

Dr. Cecílio foi procurador da Prefeitura Municipal de São Paulo até 1975, quando se aposentou no mais alto cargo de procurador-chefe.

No Sindicato ele aparecia mais como conselheiro dos diretores. Acontecia, porém, que os diretores tinham seu mandato limitado de, parece, 4 anos. Na verdade era Dr. Cecílio o elemento que garantia a continuidade das realizações e – como vimos mais tarde – da vida do Sindicato.

Uma das últimas diretorias dispensou-o – já com cerca de 75 anos de idade, porém  muito lúcido e ativo como sempre – comunicando-lhe que não haveria mais necessidade dele no sindicato.

Parece-me hoje que este ato já era um claro sinal de declínio da vitalidade do sindicato.

As condições de vida e de trabalho dos profissionais do ramo fotográfico, e eles mesmos, mudaram muito nos últimos anos. Estou afastado do Sindicato há mais de 12 anos e não posso julgar as possibilidades de sua renovação.

Foi no velório do Dr. Cecílio, em contato com Dona Leonor, seus filhos Beatriz e Arthur, em conversa com seus netos Guilherme e Otávio, genro e nora – esta família querida que há tantos anos conheço – e revendo e falando com antigos colegas do Sindicato, que subitamente tive a certeza: Isto é um capítulo fechado. A história do SEAFESP é a História de Cecílio Coimbra de Araújo.”

Hans Günter Flieg, São Paulo, 19.01.2001

Publicado originalmente em:
FotoPlus: Páginas Negras n.035, 8 de março de 2001
http://www.fotoplus.com/fpb/

El Pardo Menendez: um personagem invade as listas de discussões sobre fotografia

El Pardo Menendez: um personagem invade as listas de discussões sobre fotografiaseleção de textos de Becquer Casaballe ([1951]-2013)

publicado originalmente em Fotoplus: Páginas Negras (jan.1998)
www.fotoplus.com/fpb


As listas de discussões – sistemas de troca automática de mensagens eletrônicas entre grupos de usuários interessados em determinados temas – constituem um das mais antigas modalidades de comunicação interativa em redes eletrônicas anterior mesmo a Internet.

Seu potencial de comunicação – velocidade, alcance geográfico e interatividade – é complementado por mudanças nas formas de comunicação pelo caráter híbrido, misturando a expressão verbal à coloquialidade das mensagens por telefone. Além destas características peculiares enquanto veículo, o uso das listas por seus usuários tem continuamente revelado fenômenos curiosos.

Nesta edição de Páginas Negras, foram selecionadas algumas mensagens que giram ao redor do personagem ficcional Pardo Menendez. Enviadas a listas de discussões sobre fotografia como Fotobr-l e Fotored, por Becquer Casaballe, editor da revista argentina Fotomundo, as mensagens, completamente deslocadas dos tópicos de discussão, acabaram tornando-se foco de atenção. Constituiam assim um fio narrativo paralelo, cujo poder de atração estava na qualidade narrativa de Bec e no destino da vida do “Pardo“.


Ricardo Mendes
janeiro de 1998



Subject: El Pozo
Subject: El Pardo y el Flash
Subject: El Pardo en la Cruz Roja
Subject: Luz Menendez
Subject: Una aventura estetica
Subject: El Pardo y la Tarjeta Gris al 18%
Subject: Errare humanum est
Subject: Los ultimos anos del “Pardo”
Subject: Muerte del Pardo



Subject: El Pozo

La construccion de un Estudio: El Pardo las piensa todas

El “Pardo” supo tener un hermano algo menor que el. Se habia quedado en el pueblo donde hacia diversos trabajos, segun la ocasion, desde albanil hasta repartidor de una panaderia. La cosa era ganarse el pan (a veces, tomaba algun pancito de la canasta sin que el patron lo advirtiera, pero sin dudas que se lo habia ganado tambien). Un dia fue a visitarlo. Estuvo viajando en rutas polvorientas, con su pequena valija de cuero gastado de tantas penas, donde llevaba una Spiro Gaumont de 6 x 9 cm que se habia comprado con gran esfuerzo, restandole horas al sueno y comida a la boca.

Habia estado pensando en ensenarle fotografia a su hermano menor y, despues de darle el primer abrazo y preguntarle como estaba, se lo hizo saber. Los ojos se le iluminaron: “Te parece que yo puedo ser fotografo?” le respondio, entre sorprendido y feliz. “Por supuesto, y yo te voy a ensenar, asi que primero vamos a construir un estudio, una autentica galeria para que puedas hacer retratos”, sentencio el “Pardo” extremadamente seguro de si mismo.

Ese dia ni siquiera almorzaron, estuvieron todo el tiempo trabajando. Forraron con papeles de diario y cartones las paredes de adobe del rancho. Le quitaron la paja al techo desde la mitad hasta una de las paredes y agrandaron la ventana.

“Ahora ya tenemos luz, cenital y lateral” dijo el “Pardo”, y se paro en el lugar donde habrian de posar los clientes. “Mira que linda luz, que suave” siguio relatando, mientras su hermano estaba en silencio, lleno de admiracion y pensando como era posible que con tan simples elementos podia ahora tener un lugar para los retratos.

Despues, extendieron un gran nailon, de esos que se usan en el campo para proteger la cosecha de la helada y que siempre se pueden encontrar abandonados, solucionando definitivamente el problema de la lluvia.

“Bueno, falta lo ultimo, el pozo”. “El pozo?” dijo confundido el hermano. “Vos callate la boca y ayudame”. Tomaron una pala, esas de punta afilada, y comenzaron a cavar. Cuando tenia una profundidad de mas o menos un metro y treinta centimetros, el “Pardo” sentencio autosuficiente y excavador que ya estaba bien, luego de tirar a un lado restos de un Gliptodonte y un diente de Tiranosaurios Rex, que el anterior tenia clavado en la coraza y que habian encontrado en aquella faena. Pero no le dieron importancia porque el objetivo era otro.

Acto seguido, le mostro a su hermano para que servia, parandose al lado: “Ves, para hacer un retrato pones al cliente aca, mirando para ahi, que es donde va a estar la camara”, hizo una pausa y continuo, “luego le pedis al cliente que se ponga en el pozo” -y el Pardo se metio de un salto, asomando de la cintura para arriba- “y aqui le podes sacar de medio cuerpo”.

“Fotografia El Pozo” fue un gran exito en todo el pueblo, hasta que se les inundo.

Becquer



Subject: El Pardo y el Flash

Luz de Flash

El “Pardo” Menendez, que de esas cosas como de muchas otras sabia, contaba que en sus anos mozos se utilizaba el magnesio. Se colocaba en un recipiente especial, con un mango y un yesquero o encendedor por friccion, a piedra. Habia que enfocar y encuadrar, colocar el diafragma correcto segun la distancia calculada a ojo, se abria el lente y se disparaba. Una gran nube ascendia, siguiendo a la bola de fuego que producia el magnesio, peligrosa sustancia si las hay pero que lo iluminaba todo, sin rebote o fotocelula.

Un dia, estando en la casa de Gobierno, el “Pardo” debio fotografiar al presidente Ramon Ortiz (que habria de abandonar luego la presidencia por su avanzada ceguera) junto al Canciller y a los embajadores de Mexico y de Espana. Se le fue la mano y prendio fuego una cortina del Salon Blanco, sitio reservado para tales acontecimientos.

En esa epoca ya existia el flash de bulbo, con lamparas que contenian un filamento que se encendia por una descarga electrica. Eran comienzos de los anos 40. Pero el “Pardo” era un tradicionalista, y por nada queria abandonar aquel artilugio superado tecnologicamete.

Ademas, sus colegas lo estimulaban para que persistiera en su actitud, porque todos se ponian de acuerdo y a la voz de “Aura”, con acento en la primera “a” (version criolla del “Ahora”), todos descubrian el objetivo. Nadie gastaba una lampara, que asi se la podian guardar para hacer “chivos” (1)

Se trataba de una SHURM (Sociedad de Hecho en el Uso Racional del Magnesio), que llego a ser registrada por el “Pardo” y por la que cobraba un diezmo equivalente al 10 por ciento del valor de las lamparas. Supo ganar mucho dinero, que religiosamente terminaba perdiendo en el Hipodromo de Palermo o en timbas improvisadas en Barracas al Sur o en La Boca, hasta que prendio fuego aquella bendita cortina.

Al dia siguiente, cuando fue de nuevo a la casa de Gobierno, para cubrir una nota para “Critica”, se topo con un cartel, primorosamente escrito con letra inglesa, que decia: “A los Senores Reporteros Graficos, se les recuerda que por Decreto del Poder Ejecutivo, esta terminantemente prohibido usar magnesio. Los infractores seran confinados en la carcel de Ushuaia sin derecho a pataleo alguno”.

Cuentan los memoriosos que alli comienza el periodo mas creativo del “Pardo”. Desacostumbrado a los artefactos electricos, cuando mojaba con la lengua el casquillo de cada lampara, de tal modo de garantizar un buen contacto, muchas veces terminaba recibiendo un shock electrico por exceso de saliva, cuando esta rebosaba, descendia en un filo hilito por la antorcha y le caia justo en la mano que la sostenia. El “Pardo” se canso de tanta electricidad y se paso a la luz ambiente. Se compro una Leica.

Bex
(Copyright 1997)

(1) Chivo. Dicese en el lenguaje de los reporteros graficos y de los periodistas, aquellos trabajos supuestamente de prensa por los cuales se le cobra a quien demanda el servicio/ Dicese de los articulos que son publicados a cambio de dinero cobrado al interesado porque aparezca una informacion que, de otra manera, no seria publicada./ Forma venal de corrupcion periodistica.
fundo



Subject: El Pardo en la Cruz Roja

El Pardo en la Cruz Roja

En su tiempo libre, el Pardo acostumbraba jugar a las cartas y otras veces iba al hipodromo, donde irremediablemente perdia. Ya tenia mas de treinta anhos de edad y, un domingo por la manhana advirtio que debia que hacer algo mas productivo de su vida. Cuando tomaba una decision, nada iba a pararlo.

Se pregunto a renglon seguido -su estructura de pensamiento lo llevaba a imaginar sus palabras en un cuaderno a rayas- que es lo que debia hacer. Y se anoto como voluntario en la Cruz Roja.

Los hombres de la bandera suiza en negativo advirtieron que era criminal dejarlo dar inyecciones, repartir medicamentos o enyesar huesos quebrados. Aprovechando su condicion de fotografo, lo mandaron con un destartalado jeep Willys modelo 42, un proyector Honeywell sonoro de 16 mm y varias peliculas educativas, para que recorriera barrios populares y zonas rurales. Debia limitarse a proyectar documentales sobre algunas normas elementales de higiene y de prevencion de enfermedades.

Fue asi como un dia llego a Puerto Chacabuco, sobre el rio Parana. Un monolito gastado por el tiempo recuerda que alli estuvo Juan de Garay, con su flota de naos, en tiempos de la conquista. Pero hoy no es mas que un caserio pobre que se rige por normas tribales, con un jefe que todo lo decide y los demas obedecen, excepto los jovenes que se van en tandas cuando llegan a la adolescencia porque alli no tienen trabajo (tampoco lo encuentran en otros sitios, pero esa es otra historia).

El Pardo llevo una pelicula sobre el paludismo. El mosquito que pica y te deja con fiebre. El terrible “chucho” que tantos estragos causa en zonas calidas donde se dan cita las aguas estancadas. Estaba destinada a educar a las personas sobre los riegos de ese mal de una zona olvidada hasta por el propio Jehova.

La cinta mostraba toda la secuencia del ciclo de la enfermedad. Estaba maravillosamente filmada. Escenas que incluian el momento que el mosquito introduce su lengua mortal por un poro, con una definicion propia del Angenieux de la Arriflex utilizada para hacer las tomas, fuelle de extension de por medio, hasta escenas del entierro de la victima, siguiendo los dictamenes de Hollywood, como para que al llegar la frase “The End”, se lagrimeara un poco.

Termina la funcion, el Pardo que ya aparentaba ser un portenho (1) en la forma de hablar y de vestirse, estaba en eso de rebobinar la pelicula y de guardar la pantalla, cuando se le aproximo el jefe de Puerto Chacabuco y le agradecio la excelente funcion.

“Le gusto, maestro?” dijo el Pardo, forzando la voz en un intento por imitar la sonoridad de Hugo del Carril (2).

El jefe, agarrando la boina y sosteniendola con sus dos manos apoyadas en el pecho, en un gesto de humildad, mientras la hacia rotar en sentido dextrogiro, le respondio: “Si, mucho y, ademas, me hizo comprender muchas cosas, como, por ejemplo, por que los portenhos le tienen tanto miedo al mosquito”.

“Digame, maestro, y ustedes no les tienen miedo?” fue la respuesta, con tonalidad que iba de la piedad hasta la duda sobre el probable sentido ironico de su interlocutor, esta vez acentuando el sonido de las “eses”, como para que nadie dudara ya de su portenhidad adquirida.

“Bueno, senhor, sucede que su mosquito es asi de grande -dijo extendiendo los brazos hasta alcanzar el tamanho de buena parte de la pantalla de proyeccion, donde habia visto aquellas excelentes tomas macro-, mientras que aqui es asi de pequenho” -agrego enfrentando, con una separacion de medio milimetro, las yemas del pulgar y del indice de su mano derecha, mientras en la izquierda seguia sosteniendo su boina vasca.

El “Pardo”, se quedo en silencio, sintiendo esa humillacion como un afilado punhal clavado entre las vertebras. Sucede que de semiotica no entendia nada.

Bec

(1) Portenho: Nativo de Buenos Aires. Por extension, los habitantes de la ciudad, con la condicion que sean de aspecto caucasico, conocedores de todo lo que existe en el universo y sus alrededores, convencidos de que son los mejores en cualquier cosa, apasionados por el tango, el futbol y el verso. Casi una especie superior (segun la autocalificada apreciacion).
(2) Actor, director de cine y cantante, que realizo grandes obras y personificaciones de “compadritos” y personajes populares portenhos, mostrando sus miserias y grandezas.
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Subject: Luz Menendez

La Luz Menendez

El “Pardo” fue un hombre coherente, de principios. Cuando nacio su primera hija, le puso de nombre Luz.

Salio tostada como el “Pardo” y su mujer, la “Morocha”. En la perversidad que distingue a los ninos, tal vez inocente por cierto y que tan magnificamente retratara Lewis Carroll en “Malicia en el Pais de las Maravillas”, hizo que mas de un companero de la escuela la llamara, despectivamente, “Apagon” Menendez. Cosas que pasan.

La nina fue creciendo entre juegos, inocencia y algun que otro reto, porque en aquello de poner limites, el “Pardo” sabia que no hay que tolerar nada inutilmente, ni siquiera los males causados sin intencion.

Luz llego a la adolescencia, le crecieron los pechos, se le achico la cintura y las piernas se fueron haciendo largas. Ya nadie le decia como en la infancia, no sea cosa que la morocha se enojara y no diera bola. Era realmente linda, como besar a la abuela en la frente, pero con otras intenciones, apenas la similitud del acto.

Cumplio los 17, todavia con sus munecas y hasta durmiendo abrazada a un osito de peluche, creyendo que, ademas de los Principes de Asturias y de Gales, existia el Blue (Blau para los germanos y Azul para los hispanoparlantes). A los 18 ya se habia puesto mas interesante y a los 22, estaba para comersela (perdonen las feministas, pero realmente estaba para comersela). Y el Principe Blau sin aparecer. Creo que jamas habria de aparecer, como que no existe. Lo mismo que la Mujer Maravilla. Pero en cuestion de gustos, daria diez, veinte o tal vez treinta anos de mi vida -que es como decir haberme muerto hace tiempo- para que Gatubela se fijara en mi y se enamorara.

Se decidio a ser modelo, de esas que aparecen en Vogue (en la peluqueria, una tarde, habia descubierto un ejemplar de la revista de Lucien), y como no era tonta y en su casa habia un espejo, pronto advirtio que ella bien podia dar para eso y quiza mucho mas.

Viajo a Paris, se hospedo en un hotel de cuarta en el Barrio Latino, de 100 francos la pieza, que era todo lo que le permitian sus ahorros. Estaba obligada a subir una empinada escalera para llegar al cuarto piso, pasando por el primero donde una simpatica portuguesa, originaria de Coimbra, era la celosa encargada que no admitia visitas que no estuvieran registradas, cuidando la moral y la higiene del lugar pero perjudicando el cosquilleo de los demas. Pero para “Luz”, aun virgen, eso no le importaba al extremo que ni siquiera lo habia advertido. Su pieza disponia de una pileta don dos grifos. El del agua caliente no funcionaba. La cama quedaba exactamente debajo de una escalera, asi que si durante la noche tenia una pesadilla y se despertaba de imprevisto, debia cuidar de no apoyar sus codos y ergirse. De hacerlo, se hubiera marchitado la frente.

Aquella manana se lavo dos veces los equilibrados dientes -la segunda con soda caustica, para que quedaran blanco teta-, se recogio y solto el largo cabello azabache varias veces, decidiendose por dejarlo al viento para que asi le enmarcaran el rostro de pomulos anchos y vigorosos que confluian hacia unos labios exactamente sensuales. Sobre esos labios trazo apenas un poco de cian y afirmo sus pestanas con rimel. Tenia ojos azules, algo que hubiera intrigado el propio Mendeleieff en su tabla de sustancias quimicas por descubrir.

El vestido que eligio para la oportunidad, entre otras dos opciones, no era cosa de otro mundo: apenas una solera que le cubria hasta 30 centimetros por encima de las rodillas y donde el escote no quedaba a una distancia superior a los 40 cm. Y diga que era una mina de 1,70, asi que su extensa geografia podia apreciarse al natural, satisfaciendo las normas dictadas por Greenpeace.

Tenia que lucir bien para lograr impresionar al productor de “Vogue” y obtener lo que se estaba proponiendo. Si el “Pardo” se enteraba, habia filicidio, pero no habia por que preocuparse, estaba lejos, un oceano los separaba y ni siquiera Internet podia hacerlos ingresar en la Aldea Global.

“Soy Luz y quiero ver al productor” dijo con voz decidida (la voz decidida es la que se dice con firmeza). La miraron con cara de nada. Valga destacar que lo dijo en espanol. La situacion fue salvada por la telefonista, inmigrante de Kuala Lampur pero hija de gallegos que alla tenian un almacen. Actuo de traductora. La recibio Christian Cajualle-Bois, el productor asistente. Le tomo los datos, casi sin decir palabra y le dijo que la llamarian. La tactica de Cajualle-Bois era precisamente aquella: no demostrar interes. Eso mismo habia hecho con Claudia Schiffer y casi pierde el empleo, porque la germana dio un portazo y se fue a una agencia que, cuando toco el timbre, ahi nomas largaron la alfombra roja e hicieron sonar los clarinetes. Cuando regreso a “Vogue”, la tarifa se habia multiplicado por cien.

Aquella noche Luz no durmio, se quedo con la idem encendida, pensando, sonando, deseando firmemente que no podia fracasar. Y al otro dia la llamaron, fijaron una cita y a la semana estaba trabajando, posando para Francoise Aberdeen-Angus, para Louis-Joseph Shorthon, para Melisa Merino, y otros grandes de la publicidad.

Melisa se encarin con ella, la vio, digamos, tan virginal, inocente, querible, que la protegio todo el tiempo. La experiencia con Shorthon no fue tan buena, pero supo capearla. Mas que Shorthon parecia Miura. Era un obsesivo. En un reportaje que le hicieron en “Le Figaro”, habia sostenido que era un apasionado de la fotografia porque le permitia levantarse minas. Eso habla de cuales eran sus intereses, bastante ajenos a los haluros de plata pero sin llegar a ser contrapuestos. Existen demasiados de la misma estirpe.

Una tarde, durante una sesion de tomas en el estudio de la rue Friginot, le dedico 5 minutos a preparar los Elinchron de 1.500 Watts/segundo y 25 para tratar de alcanzar la Luz. No lo habria logrado. Segun parece, pero de esto no hay certeza, la fotocelula estaba fuera de sincronismo.

Paso el tiempo. Luz (a 300.000 kilometros por segundo para no contrariar a Einstein) fue tapa de “Vogue”, fue luego contratada en exclusividad por la bodega Baron d’Arignac para una campana de casi un ano que le permitio conocer desde la Bretagna a la Provence, de Languedoc-Roussillon a la Cote d’Azur. En lujosos hoteles, como nunca se lo habia imaginado. Le decian “madamme”.

Pero, como escribio alguna vez Homero Esposito, “Cruel en el cartel/ la propaganda manda cruel en el cartel/ y en el fetiche de un afiche de papel/ se vende una ilusion/ se rifa el corazon”, la juventud se le paso, entre copas de champan, percal y sonrisas sin contenido. La celulitis empezo a no permitirle exponerse sin medias de nylon, aquellos pechos de la juventud no se sostenian siquiera en una copa de champan y la piel gastada, de tantos insomnios, le daban una mascara que no se podia mostrar sin un minimo maquillaje.

Cansada a los cuarenta -cuando otras mujeres recien empiezan a vivir-, creyo que habia vivido una larga ilusion, pero ilusion al fin.

Volvio con esas penas a Barracas al Sur, buscando el consuelo de su familia que hacia tanto que no veia y que ya parecia olvidada. Despues de todo, Paris queda demasiado lejos. No era una mujer pobre, tampoco se podia decir que era rica, sus ahorros tenia, suficientes, suficiente.

El “Pardo” la recibio con una sonrisa, la abrazo y se dio cuenta que no era una nina lo que tenia entre sus brazos, pero era su hija, la eternamente pequena Luz (casi un lucero del alba).

Y entonces se produjo el milagro. Luz advirtio que no habia vivido en vano, que en la vida nada es gratis y que las ilusiones podian ser sus verdades, que habia logrado lo que deseaba aquella tarde cuando ojeo, casi de refilon, un viejo ejemplar de “Vogue”, sin saber que no era nada mas que papel impreso.

Se dio cuenta que habia crecido, sonado, vivido, que era una mujer. Despues de todo, quien podia juzgarla. Ni siquiera ella misma y menos aun yo.

Entonces, sin que nadie lo pensara ni decidiera, la radio, una vieja Phillips a valvulas, empezo a largar por el parlante un tango que, ni remotamente, habia sido pensado para ella. La letra, desde el comienzo, no tenia relacion con Luz pero, a medida que transcurrian el fraseo, se le asemejaba en algunas cosas, asi que pensar que “cualquier parecido con la realidad o personajes es pura coincidencia” no tenia asidero.

Decia asi, en la voz de Alberto Castillo desde un disco de pasta, sin dudas, y a 75 revoluciones por minuto:

Tu padre era rubio, borracho y malevo
tu madre era negra con labios malvon:
mulata naciste con ojos de cielo
y mota en el pelo de negro carbon.
Creciste en el lodo de un barrio muy pobre,
cumpliste veinte anos en un cabaret,
y ahora te llaman moneda de cobre,
porque vieja y triste muy poco vales.

Moneda de cobre,
yo se que ayer fuiste hermosa,
yo con tus alas de rosa
te vi volar mariposa
y despues te vi caer
moneda de fango,
que bien bailabas el tango
que linda estabas entonces
como una reina de bronce
alla en el Folios Berger

Aquel barrio triste de barro y de latas
igual que tu vida desaparecio
Pasaron veinte anos, querida mulata,
no existen tus padres, no existe el farol.
Quiza en la esquina te quedes perdida
buscando la casa que te vio nacer,
segui, no te pares, no muestres la herida
No llores mulata, total, para que.

Pero ya no era la misma. Era, simplemente, la Luz. Y se largo
a llorar nomas, desconsoladamente, de puro mujer que era.

Bec



Subject: Una aventura estetica

El Pardo en el Chaco: una aventura estetica

En el verano del ’34, al “Pardo” lo mandaron, junto a un cronista, para que hiciera algunas fotografias de los trabajadores dedicados a la cosecha del algodon en el Chaco. Segun parece, se estaban organizando sindicalmente para reclamar por sus derechos sociales (jornada de 8 horas, dias de descanso, seguro de salud, jubilacion y todas esas cosas que los socialistas les habian metido en la cabeza). Algunas informaciones senalaban que el gobierno pensaba enviar a tropas regulares armadas con Mausers y ametralladoras Colt para hacerlos desistir de esas intenciones, contrarias a las mas caras tradiciones semifeudales que regian las relaciones de produccion.

El periodista que lo acompanaba tenia cierto gusto por la pintura que, incluso, le habia llevado a que en su tiempo libre -que no era mucho-, tomara temperas y pinceles para dejar sobre el lienzo algunos cuadros de situaciones cotidianas. Habia llegado a exponer en el hall del Club Social, Sportivo y Cultural de Villa Insuperable y en la Art Gallery of ARPBI (Asociacion de Repartidores a Pedal de Bicicleta). De haber vivido en Montmatre, otro hubiera sido su destino, pero nacio en Villa Dominico y su frontera era de cabotaje.

No perdia oportunidad de senalarle la belleza de los paisajes por los que, junto con el “Pardo”, estaban transitando. Se entusiasmaba cuando veia una pequena casita construida de barro, con sus paredes blanqueadas a cal. “Mira Pardo, que casita linda en ese paisaje. Ah, si yo tuviera mis pinceles”, exclamaba.

El Pardo se quedaba en silencio porque no se atrevia a discutir con alguien que domina, precisamente, la palabra. Pensaba que era linda para su amigo porque crea que no tenia que vivir ahi, con frio en invierno, calor en verano y expuesto a tantas enfermedades por la falta de la mas elemental higiene.

“Este no ha visto nacer un bebe y que no haya agua para lavarlo”, se dijo para sus adentros, masticando cierta rabia y solidario con el destino de aquellas personas que tenian tan pocas cosas excepto la libertad que, sola, no sirve para comer.

En un momento, su amigo periodista y pintor, se detuvo y le dijo: “Mira Pardo, que mujer hermosa”.

El “Pardo” perdio toda su inocencia y se olvido por un momento de sus ideas anarcosocialistas y libertarias; acto seguido se le iluminaron los ojos, el corazon le comenzo a latir con frecuencia descompasada, las manos se le pusieron humedas a pesar de la sequedad del Chaco en esa epoca del ano y comenzo a girar la cabeza pensando que sus pupilas irian a apuntar sobre una joven doncella, de cabellos largos, formas de una redondez equilibrada y, como si todo eso no fuera suficiente para mancebo tan apuesto y dispuesto, llego a imaginar que podria entregarle sus tesoros.

Pero no vio otra cosa que una anciana, en la puerta de un rancho, con su cabello atado en forma de rodete, totalmente blanco y una piel castigada por tantas primaveras, veranos, otonos e inviernos, los brazos finos como alambre y la espalda encorvada, que cargaba trabajosamente un atado de lena, mientras trataba de espantar a las gallinas con sonidos guturales.

El “Pardo” penso: “Sera esa la mujer hermosa a la que se refiere mi amigo? o el sol le habra afectado el cerebro que empieza a tener visiones?”.

“Veni Pardo -insistio el amigo-, anda y sacale una foto de las manos, del rostro, fotografiala como hace su trabajo, sin nadie que la ayude. Sabes una cosa Pardo? -insistia el asoleado cerebral- esa es la foto que va a ilustrar la nota sobre como viven los campesinos”.

En ese momento el Pardo se dio cuenta que la belleza no es necesariamente complaciente, superficial, frivola o idealista, sino que tambien puede ser tragica, como la de aquella anciana de brazos de alambre.

A partir de entonces, comenzo a mirar con otros ojos las paredes descascaradas.

Bec



Subject: El Pardo y la Tarjeta Gris al 18%

El Pardo y la Tarjeta Gris al 18%

En mis anos mozos, cuando no teniamos otra cosa que una Nikon F Photomic y debiamos hacer fotografias, por ejemplo, en Bariloche durante los torneos de esqui en el Cerro Catedral, en la Antartida (a bordo de un queche de 15 metros, rodeados de pinguinos, cetaceos, focidos y otaridos), utilizabamos el sistema conocido por el acronismo SRMC.

Segun cuenta la leyenda -nada de esto ha sido corroborado por la ciencia de la historia-, fue inventado por el “Pardo” Menendez, hombre del campo que supo venirse para la ciudad cuando todavia usaba pantalones cortos. Alli trabajo primero como mandadero, luego fue ascensorista en el viejo edificio del diario Critica. Paso el tiempo y el “Pardo”, que era muy apreciado, ingreso al Departamento de Fotografia. Lucia colgada de su cuello una Contaflex.

Todos los fotografos, mas avanzados, usaban una Tarjeta Gris al 18 % en aquellas situaciones dificiles. El “Pardo”, en una oportunidad y careciendo del mencionado adminiculo, le pregunto a uno de sus companeros que “tiempo y diafragma te da”, el otro, le dijo “efe ocho en quinientos”.

Menendez registro el dato, apunto con su camara sobre el reves de la mano, y detecto que le daba “efe cinco seis en quinientos”. Advirtio que su piel sobrexponia un punto (de ahi el mote de “Pardo”, porque que se dice rubio no era).

Desde entonces, sabiendo que el reverso de su mano estaba desajustado en un eve (1 EV), hacia la correccion y obtenia excelentes resultados.

El sistema fue muy pronto copiado por los demas fotografos. Cada uno tenia calibrado el reverso de la mano. Incluso hubieron quienes, por desmemoriados, se tatuaron la correccion en el dedo menique.

Los mas blanquitos tuvieron algunos problemas, solucionados con ingenio. Sucedia que en verano no debian hacer ninguna correccion o, en todo caso, era de menos medio eve, en especial si habian ido de vacaciones a la playa o a cualquier lugar con mucho sol, y en invierno, ya casi transparentes, podia ser de mas medio eve. Para eso se tatuaban el anular.

El sistema se extendio pronto al Zaire y a Dinamarca, asi como a muchos otros paises del orbe, naturalmente con los respectivos ajustes etnicos.

De ahi que al Sistema del “Pardo” Mendendez se lo conoce como SMRC (Sistema de Reverso de la Mano Corregido). Les puedo asegurar que funciona.

Afectuosamente,

Bec




Subject: Errare humanum est

Errare humanum est

El Pardo Menendez sabia que se aprende mas de los proprareios errores que de los ajenos. Lo habia sentido, en su inocencia de campesino, en carne propia, cuando un dia se le trabo el arado y los bueyes no querian tirar para adelante.

Cuando llego el momento que en “Critica” le dijeron: “Pardo, desde hoy dejas la manija del ascensor y pasas a fotografia”, sintio un ligero temblor en las piernas. Casi se le pianta una lagrima, pero de puro guapo que era, la contuvo al instante. No sea cosa que advirtieran sus debilidades.

“Voy a ser fotografo”, se dijo en sus adentros. “Voy a ser alguien”, agrego tambien para adentro. “Si, alguien; pero que?” No importa, la manija del ascensor no era para un hombre de su sensibilidad e inteligencia, elementos que sopesaban en su personalidad a falta de una educacion formal. Apenas habia terminado la primaria. Se olvidaba de donde iban las “haches”, tildes y, al escribir, confundia zetas con eses y, ademas, no entendio muy bien que era un diptongo. Despues de todo, que palabra horripilante y a quien le importa.

Agarro la Speed Graphic, dos chasis -que le habia cargado generosamente el jefe, con sendas placas de 10 x 12,5 de Doble XX Press Pan Professional- y salio a buscar su primer reportaje, el que lo convertiria, tal vez definitivamente, en fotografo. El sueno empezaba a ser realidad.

“Donde?” inquirio el Pardo -hombre de economia de medios al hablar, si los hay-; “Al Congreso, que se debate la Ley de Carnes” le respondio el coordinador, un hombre bajito, de abultada panza hecha en base a Bier, que usaba anteojos de carey con cristales tipo culo de botella, ocultandole de esa manera lo unico esteticamente hermoso que tenia: sus grandes ojos verdes con largas pestanas como plumeros.

El Pardo salio presuroso, tomo derecho sin respiro por la Avenida de Mayo, cruzo de cuatro o cinco zancadas la 9 de Julio -a esa hora atestada de autos que no lo atropellaron de pura casualidad-, y en quince minutos estaba subiendo las escalinatas del Palacio del Congreso.

Regreso una hora despues. Orondo, sacando pecho, con la Speed soldada a la mano, como que ya era una extension de su cuerpo. “Aqui esta lo que me pidio, Jefe”, dijo, quebrando su estilo monosilabo de comunicacion verbal, al tiempo que entregaba los dos chasis dobles.

El coordinador de los ojos verdes ocultos, tomo los chasis en forma displicente y se los llevo al laboratorio. El Pardo se quedo en absoluto silencio, pero no podia evitar esas malditas gotas de transpiracion que surgian en la frente, rodaban hasta las cejas y en un dribble propio de Garrincha, seguian por la mejilla hasta caer en el suelo. “Que te pasa Pardo?, no es para tanto”, le dijo en tono conciliador el jefe. “Nada, es que aqui hace mucho calor y estoy abrigado para la calle” atino a responder, esta vez mas comunicativo.

Por fin aparecieron las placas, todavia humedas, dentro de los marcos de metal, indiferentes a las angustias del Pardo. Como nunca habia visto un negativo, se quedo parado sin atinar a nada, esperando la palabra del jefe, una especie de Vice-Ikon, el Senor de la Luz o, mas vulgarmente, el mandamas.

“Bien Pardo -dijo- te quedas con nosotros, parece que apretas el gatillo”. El Pardo, ajeno al argot fotografico, quedo confundido: “Como? Esto es el Departamento de Fotografia o el FBI?” penso para sus adentros.

“Gracias Vice, perdon, jefe, muchas gracias” respondio en un gesto explicito de agradecimiento.

“Eso si Pardo -agrego el Vice Ikon-, no hace falta que de ahora en adelante economices pelicula: has sacado ocho fotos en cuatro placas”.

Bec
(copyright 1997)



Subject: Los ultimos anos del “Pardo”

Los ultimos anos del “Pardo”:El valor de la obra de toda una vida

El Pardo Menendez no sabia con exactitud el ano y menos aun la fecha de su nacimiento, asi que nunca festejo su cumpleanos a falta de un instante de referencia. Por ese mismo motivo se vio envuelto en algunas complicaciones cuando inicio el tramite de jubilacion. Una junta medica fue consultada para que, tras exigentes analisis que incluyeron someter al proceso de Carbono 14 una muestra del hueso que le sobresalia del menique, pudiera ser finalmente aceptado en el PAMI.

Sin dudas que tenia muchos. Se le notaba en especial cuando recordaba algunos pormenores de la Revolucion del ’90, no de 1990, sino la que protagonizo la naciente Union Civica Radical en 1890 o hacia alusiones al infante Alfonso, antes de que fuera Alfonso XIII. Se jactaba de haber fotografiado a Roosevelt, pero a Teodoro y hasta de haber viajado por centroamerica, a caballo, sin cruzar el Canal de Panama porque, todavia, no lo habian construido. Era lo que se dice, mas que viejo, ancestral.

En tanto tiempo habia fotografiado reyes y presidentes, zares y revoluciones, ciudades ahora desaparecidas, clippers llegando a puerto en la carrera del te, estuvo en Cadiz en la celebracion del 400 aniversario del viaje de Cristoforo Colombo. Habia viajado por todos los continentes, siempre fotografiando, ya sea con placas al colodion y luego con las de gelatinobromuro.

Nada habia sido pasado por alto para su ojo inquisidor, con placas de 20 x 25 hasta negativos de 35 mm, incluso con la ultima de las camaras que tuvo, una CanonFlex E0S RebelDe 6, de disparo por las pestanas, enfoque recontra-automatico, carburador de 4 bocas, ABS, NavStar GPS y timon de viento electronico sin pilas (se alimentaba con una turbina eolica, de origen escoces), pero que insistia en usar en manual. De pixels ni hablarle siquiera: era una de las pocas cosas que despertaban su iracundia.

Asi que su archivo de negativos, de los mas variados temas, perfectamente expuestos (excepto los ultimos, de la CanonFlex, a causa de que ya estaba viejo y la usaba, como lo dijimos, en manual), conservados sin polvo ni rayaduras, se calculaba que superaban el millon de imagenes, ninguna de ellas repetida.

Asi que viendo que se iba a morir, llamo a sus hijos, les hizo encender le estufa a lena (en realidad era una imitacion a gas, pero que enganaba a cualquiera), y les dijo que si al el le pasaba algo, a ellos no les iba a faltar de comer gracias a los negativos que habia producido durante toda su vida.

“Papa Pardo” -se atrevio a preguntar el mayorcito-, y como hacemos para vivir de esos negativos? Se los podemos ofrecer a mister Microsoft para que los digitalice?”

“No hijos -expreso el Pardo, mientras escondia sus manos debajo de la manta que le daba calor a sus piernas-, yo no quiero que se los lleve Bill Gates, sino que les dije claramente que iban a poder comer. Es facil, les sacan la emulsion, que es de gelatina, y se la comen. Eso si, escupan los granos de plata, que producen calculos al rinon”.

Bec
(copyright, 1997).



Subject: Muerte del Pardo

La muerte del “Pardo”

El dia prometia ser tan caluroso como en las jornadas anteriores, ya en pleno verano austral, pero algunas nubes sobre el horizonte presagiaban la cercania de un Pampero, ese viento del Sudoeste que arranca techos de ranchos y lo envuelve todo.

El “Pardo”, trabajosamente, se levanto de su silla, se coloco sus anteojos, abrio la ventana de par en par, y regreso a su sitio. Queria sentir el aire en su cara, cuando aun el nortazo seguia trayendo humedad y calor. “Ya va a calmar y, bruscamente, tendremos Pampero”, penso. Y bien que conocia esos cambios. Viento, frio y lluvia, para apaciguar un poco al verano.

Se quedo en silencio, alli sentado, sin un minimo gesto, como si estuviera recordando el pasado o imaginando el futuro. Se veia nino, llevado de la mano de su padre por alguna playa olvidada, cuando estaba aprendiendo sus primeros pasos. Una pequena foto en blanco y negro, de apenas 6 x 9 cm, que lo miraba desde el portarretratos, colocado justo encima de la alacena, lo miraba.

Hizo otro pequeno esfuerzo, fue caminando hasta tomarla entre las manos y de vuelta a la silla. Desde hacia semanas, quiza meses, era el unico ejercicio que se atrevia a realizar. Las piernas estaban cansadas, llenas de varices, y no podian sostenerlo por mucho tiempo. El “Pardo”, realmente, estaba viejo, muy viejo.

Sonrio con aquella foto apretada en sus manos llenas de pecas de la ancianidad y venas abultadas como serpientes. “Pensar que alguna vez fui nino”, decia masticando palabras.

Las nubes se fueron aproximando, tomaron la forma de un gran toscano extendido de Este a Oeste. El viento Norte, ese nortazo, habia cesado y, como explican los manuales de meteorologia, la calma de no mas una o dos horas iba a ser seguida por un viento arrachado, violento, del Sudoeste.

Afuera, ningun pajaro se atrevia a quebrar la solemnidad del momento con sus trinos y el unico ruido que se podia escuchar era el de una canilla, con su goteo infinito en la pileta de la cocina. La escena era de una curiosa paz, quebrada a veces por esporadicos ronquidos que el “Pardo” emitia sin ninguna clase de ritmo.

Las pocas hojas esparcidas sobre el piso empezaron a agitarse, en remolinos. No hubo tiempo siquiera para advertir el cambio, que ya estaba el Pampero, ensenorandose con todo lo que encontraba a su paso. Viejos alamos parecian quebrarse.
Fue creciendo en su furia, sin dar tregua a quienes no hubieran buscado refugio a tiempo.

Pasaron dos, tres horas, hasta convertirse en una brisa que, sin embargo, era lo suficiente como para golpear las ventanas contra los marcos.

En eso llego el hijo mayor del “Pardo”, agitado, trayendo en sus manos un pichon de paloma que habia encontrado en el camino. El Pampero lo habia arrancado de su nido. “Papa”, grito, “papa, mira lo que traigo para vos”.

El “Pardo” no le respondio, porque ya no tenia voz. En sus manos, seguia aferrada aquella fotografia de cuando era nino, dando sus primeros pasos en la vida.

Becquer








Fonte/Agradecimentos


FotoPlus agradece a Becquer Casaballe pela cessão do texto para inclusão nesta edição do boletim Páginas Negras.

Flieg de Bolso: fotografia industrial e comercial – 1940-1980

FotoPlus #55 – Abril / Junho 2021

Conheça o vídeo de divulgação aqui


Conhecer o conjunto de imagens guardadas num velho armário de madeira e a descoberta ali de grande conjunto documental produzido ao longo de 40 anos foi uma decisão estratégica adotada em meados da década de 1990. Velhas caixas de papel fotográfico (20 x 25 cm) reuniam negativos em médio e grande formato que representam parte expressiva da produção como fotógrafo industrial e comercial de Hans Günter Flieg em São Paulo em sua fase de industrialização mais intensa durante o pós-guerra, que daria forma à cidade e seu cotidiano na segunda metade do século XX.


O projeto Flieg de Bolso parte desses levantamentos e constitui-se como instrumento agregador sobre a produção de Hans Günter Flieg (Alemanha, 1923). A iniciativa está associada ao site FotoPlus, projeto documental de referência sobre fotografia no Brasil. A intenção é dar apoio ao pesquisador em diferentes áreas e estimular o debate sobre imaginário visual e seus produtores e agentes.


A partir de 2003, o acervo fotográfico integra o fundo documental do Instituto Moreira Salles (veja hotsite dedicado ao fotógrafo).

Conheça, explore e divulgue
http://www.fotoplus.com/flieg

Bordados Flieg: fio a fio

Flieg de Bolso: post Contexto

Bordados Flieg: fio a fio (2019): um panorama de empresa no segmento textil

A chegada da família Flieg em São Paulo no ano de 1939 é marco importante no longo processo de diáspora que tem início muito antes na Alemanha. Hans Günter Flieg, fututo fotógrafo profissional atuante na cidade, junto com o irmão caçula Stefan, ainda adolescentes, estão também envolvidos na preparação desse projeto de sobrevivência.

Essa história é contada aqui a partir da perspectiva de Stefan, que assumirá na década seguinte a empresa familiar. De início como garoto procurando entender o horizonte que o cerca e depois como empreendedor responsável pelo negócio ativo até 2020.

Conheça mais em: htttp://www.fotoplus.com/flieg

O limiar interrompido

O limiar interrompido:
a presença de autores negros na fotografia brasileira antes da década de 1950


FotoPlus #54 – Janeiro/Março 2021

José Ezelino - Caicó/RN - década de 1920-1930
Animação sobre foto de José Ezelino da Costa (1889-1952), Caicó (RN), década de 1920-1930 (atribuída). Veja: artigo de origem / Veja imagem original.
Fonte: Substantivo Plural, RN, site, 24.10.2016, Fotografia



Notas a partir do livro Quando a pele incendeia a memória:
nasce um fotógrafo no sertão do século XIX,
de Angela Almeida (EDUFRN, 2017, 145p.)
>> download

Apenas ao final da década de 1980 com alguma constância, mas certamente num processo lento, a presença do negro surge como tema, como urgência, na fotografia brasileira. Não que não estivesse lá, no registro documental como “figura secundária” da cena brasileira do Oitocento, como marca do patrimônio escravocrata, muitas vezes camuflado sob imagens de afeto nos retratos de amas e filhos de seus proprietários.

Uma crescente bibliografia nessas aproximações surge como fluxo contínuo na última década, não mais concentrada no mercado editorial, mas expressivamente gerada e difusa no segmento acadêmico. Não cabe aqui caracterizar longamente essas abordagens, mas complementá-las com outras ações, por vezes poderosas e mais visíveis.  De início, é marcada pelo estudos da iconografia ligada ao cotidiano de uma sociedade escravocrata, o que permitiu  numa primeira fase identificar fotógrafos, autores e coleções, por vezes dispersas. Associado, surgem também estudos voltados a modos de representação das comunidades negras, os que muito tardiamente põem em movimento questões relativas a mecanismos de poder e controle sobre a produção dessas representações e autorrepresentações.

Mais recentemente, acompanhada por abordagens similares no campo da produção visual, nas artes visuais e na vertente documental, torna-se traço distintivo a questão da produção de autores negros. Em especial, aqueles que têm como campos de ação as culturas negras no Brasil nas religiões, nas manifestações culturais …, com também os autores, enfaticamente nas artes visuais, que discutem frontalmente a herança diaspórica, os modos e formas de ser negro e suas visibilidades numa sociedade de raízes escravocratas ainda presentes.

Nessa aproximação, no reconhecimento desses autores, desses produtores de imagens, dos repertórios e dinâmicas visuais postas em movimento, uma questão permanece em aberto e nunca expressa: a ausência de fotógrafos negros registrados antes da década de 1950. Em qualquer segmento do campo fotográfico, das práticas amadora a profissional, em qualquer segmento de produção e circulação de imagem – como assistentes, auxiliares de estúdios, retocadores, agentes, comerciantes de produtos… – nenhum nome pode ser identificado.

A questão, quase sempre tomada mais como fato consumado do que como um aspecto tema para uma história-problema, nunca avançou em busca de uma centralidade. Seria plausível propor a existência de um limiar simbólico ao redor de Walter Firmo (1937) e Januário Garcia (1943), que parece traçar uma muralha intransponível posicionada em algum momento da década de 1950.

Uma história-problema é a demanda nunca colocada. Seria essa a grande e derradeira expressão, a herança, da exclusão escravagista? Nunca, além de meras conjunturas, notas sem maior desenvolvimento identificaram a presença da mão de obra escravizada ou de negros livres nos estúdios do Dezenove. Nem registraram essa presença ao longo de quase 60 anos, século XX adentro.

Campo imaculado esse, ocupado por fotógrafos quase em sua totalidade europeus,  todos eles avessos aos modos de produção local !? Ainda assim, muitos profissionais serviram-se do temário local para a produção regular de registros de tipos humanos como fizeram Alberto Henschel (1827-1882), empreendedor com estúdios em São Paulo, Rio e Recife, ou Christiano Junior (1832-1902), fotógrafo português ativo no Brasil e, com maior sucesso comercial aparentemente, na Argentina.

Sobre Henschel é intensa a produção recente de obras visuais a partir dessas imagens, reapropriações, ressignificações, como realizado pelo artista visual Fernando Banzi (série Tipos, 2018; veja), ou pela pesquisadora e artista visual, doutoranda da USP, Monica Cardim, premiada  em 2020 pelo vídeo Retratos transatlânticos: circulação de representações de Afrodiáspora brasileira na fotografia de Alberto Henschel (3′; veja). Sobre Christiano Junior, veja a obra pioneira  Escravos brasileiros do século XIX na fotografia de Christiano Jr (1988, Ex-Libris), organizada por Paulo Cesar de Azevedo e Maurício Lissovsky.

É necessário lembrar no recorte deste ensaio, em contraponto ao árido balanço inicial, das possibilidades abertas em segmento específico da produção acadêmica recente que se dedica ao estudo da circulação de imagens e da constituição de arquivos pessoais em que fotos das mais diversas origens – realizadas em estúdios ou na prática amadora, recebidas como lembranças, como por quase um século se faria com cartes-de-visite ou compradas como cartões-postais – convivem com objetos os mais diversos: cartas, bilhetes, fragmentos articulados em uma matriz de relações de afeto, memória e investimentos simbólicos outros.

Mencione-se como exemplo, no campo da antropologia social, o trabalho desenvolvido por Alexandre Araújo Bispo, no doutorado apresentado em 2019 (USP): Percursos da memória e da integração social, o arquivo pessoal de Nery e Alice Rezende, mulheres negras em São Paulo – 1948-1967. Bispo aborda, como resume: o “arquivo pessoal de Nery Rezende (1930-2012), mulher negra das camadas populares, de quem traço um percurso biográfico, que deixou um acervo documental de 18 mil itens, entre impressos, manuscritos, imagens fotográficas e objetos tridimensionais acerca de si mesma, de sua família, de seus amigos, de suas relações de trabalho e lazer.” (veja). O projeto é um desdobramento da pesquisa anterior no mestrado: Memórias fotográficas: memória familiar, sociabilidade e transformações urbanas em São Paulo (1920-1960), também desenvolvida na USP (2012) (veja).


Na mira: Jeanne Moutoussamy-Ashe

Observar outros contextos, outras experiências, pode ser tomado como estudo em dupla perspectiva. Primeiro, como reconhecimento de pontos de contatos  ou aspectos em conflitos sobre experiências de reconhecimento e inserção de comunidades negras; segundo, para entender, em circunstâncias distintas, o papel das memórias individuais e coletivas sobre a produção de suas histórias, suas historiografias e as disputas em questão, em desafios muito próximos que podem permitir identificar novas perspectivas de ação a considerar.

Jeanne Moutoussamy (1951), fotógrafa negra, desenvolve nas décadas de 1970 e 1980 uma carreira como fotojornalista. Nascida em Chicago, é um dos três filhos de Elizabeth Hunt, designer de interiores,  e de John Moutoussamy, arquiteto (1922-1995). John é o  primeiro profissional afro-americano a projetar no início da década de 1970 um grande edifício no centro de Chicago para a sede dos escritórios centrais da Johnson Publishing Company.

Oportuno lembrar aqui, numa interrupção obrigatória, de um elo casual, mas revelador, que une a fotografia entre estes dois países na perspectiva de participação de autores negros. Entre 1969 e 1971, a Kodak, um dos principais grupos da indústria fotográfica ao longo do século XX, promove expansão de suas instalações em São José dos Campos, no interior paulista. O grande edifício industrial, ainda remanescente, há muito desmobilizado pela empresa, foi desenvolvido por Louise Brown (1918-1999), arquiteta negra. Nascida no Kansas, Louise é uma das pioneiras no campo da arquitetura industrial nos dois países, mulher e negra, num campo então e por décadas marcado por um perfil de profissionais homens e brancos. Considerada como a segunda mulher afro-americana a receber um título em arquitetura nos EUA em 1949, Louise desenvolve uma carreira impressionante no segmento corporativo. Em 1953  passa a atuar no Brasil, em São Paulo. Tem como clientes grandes empresas como Ford Motor, Pfizer e Kodak, além de desenvolver projetos de residências para a classe média alta. Um perfil profissional, por Anat Falbel, integra o projeto Pioneering woman of american Architecture, disponível online,  desenvolvido pela Beverly Willis Architecture Foundation (veja).


Página de rosto do livro Viewfinders: black women photographers (1986), de Jeanne Moutoussamy-Ashe (1951). Clique para ler no Internet Archive
.

Voltemos a Jeanne Moutoussamy. Graduada em artes visuais em 1975, dedica-se ainda a um ano de pesquisa na África Ocidental como parte dos requisitos de formação. Atua a partir daí como fotojornalista, em especial na cobertura esportiva. Acaba assim por conhecer o tenista profissional Arthur Ashe, esportista com três grandes títulos individuais no Grand Slam, com quem se casaria.

Jeanne lança em 1986, sem experiência anterior nesse campo, o livro Viewfinders: black women photographers (Dodd Mead & Co, 201p.). Num duplo registro, a publicação acaba por constituir uma contribuição original para a historiografia da fotografia nos EUA ao abordar as questões de raça e gênero. 

A edição precede referências mais conhecidas nessas perspectivas. No primeiro caso, a produção historiográfica realizada nos anos seguintes por Deborah Willis (1948), que ganhará maior visibilidade com a obra Reflections in black: a history of black photographers, 1840 to the present (W. W. Norton, 2000, reimpressão em 2002) (veja as edições 2000, 2002). No segundo caso, sobre a presença da mulher da fotografia, antecede, nesse recorte de raça, autores como Naomi Rosenblum (1925), sobre quem comentaremos adiante.

São, certamente, obras de perfis distantes, de autores com formação, produção e agendas distintas, como também pesquisas realizadas em condições em parte diferenciadas. Jeanne surpreende, em especial para leitores, como nós, em  contexto distinto, pelo resultado da pesquisa. Articula-se em Viewfinders um panorama surpreendente por resgatar autores, fotógrafas negras, cujas práticas retrocedem ao final do século XIX.

Jeanne tinha, porém, de onde partir. Não apenas porque a pesquisa historiográfica nos EUA nesse segmento, ainda que pioneira, apresentasse ocorrências em contraste flagrante com o quadro brasileiro. Revela-se então como o percurso histórico das comunidades afro-americanas e suas imagens era mais complexo. Entre outros fatores em ação, diversas instituições organizavam há décadas acervos documentais e visuais os mais diversos sobre essas comunidades, aspecto chave para os projetos de recuperação e análise que surgem nos anos 1970 e 1980.

Em 1971, por exemplo,  o James Van Der Zee Institute organiza em Andover, na costa leste, a exposição The black photographer (1908-1970): a survey (catálogo online). Não custa lembrar: o nome da instituição é referência direta ao fotógrafo negro, Van Der Zee (1886-1983), que registrou não só o cotidiano das comunidades locais em Nova York, mas o Harlem Renaissance, movimento cultural de resgate, que marca a década de 1920. The black photographers, como o catálogo revela, é antes de tudo uma ação que estrutura um repertório visual em busca de reconhecimento de autores e práticas.

Na década seguinte, em 1983, o Rhode Island School of Design, em Providente, organiza a mostra A century of black photographers, 1840-1960, com curadoria de Valencia Hollins Coar. Embora o catálogo não esteja disponível, a leitura da Checklist permite conhecer a relação completa  de obras, com 150 itens, bem como os locais de itinerância da exposição por mais de seis cidades, como Nova York e Houston, entre 1983 e 1984. 

Nesse caldo inicial começa a ganhar forma o campo de estudos sobre cultura visual no recorte das comunidades afro-americanas. Deborah Willis, em 1985, lança a obra de referência – Black photographers 1840-1940: a bio-bibliography (Garland), complementada quatro anos depois por An Illustrated bio-bibliography of black photographers, 1940-1988, pela mesma editora.

O fluxo editorial ganha velocidade na década seguinte. Surgem obras de autores, tomados como referenciais nos anos seguintes, a exemplo de bell hooks (1952), que lança em 1992 – Black looks: race and representations (South End Presse). Em especial , surge então uma produção de autores acadêmicos, com recorrência do formato da antologia, com temas e debates marcado pelo feminismo negro como uma das confluências dos estudos de gênero e raça.

Jeane Moutoussamy deixa de lado, em Viewfinders, a impressionante ocorrência de fotógrafos homens negros atuantes desde o primeiro momento na década de 1840. Desde James Lion, que abre um estúdio de daguerreotipia em março de 1840 em Nova Orleans e organiza no mesmo ano uma exibição pública de imagens, primeiro registro documentado de evento do gênero nos EUA. Francês de origem, Lion migrara anos antes para os EUA, dedicando-se também à pintura e litografia, campos em que se concentra a partir de 1845. A ele, somam-se nomes como Augustus Washington, James P. Ball, entre outros.

O que importa destacar aqui são as fontes de pesquisa utilizadas  e o tratamento dado pela autora que permitiram estabelecer antes de tudo um panorama denso sobre o século XIX  ao invés de um repertório de presenças individuais.  O texto revela uma abordagem precisa e atenta à cultura e inserção afro-americana. Jeanne faz uso brilhante de dados estatísticos a partir dos censos norte-americanos, que surpreendentemente reuniam informações sobre profissões e origem racial, complementados quando necessário por uso de diretórios municipais. Surge assim – como  traço indicativo de formas de segregação diferenciadas entre culturas – esses marcadores de origem presentes nas estatísticas demográficas.

O livro é marcado, nesse segmento inicial, pela análise densa e renovada de dados. Os dois terços restantes da obra são formados por portfólio individuais, em si heterogêneos frente à disponibilidade de imagens. Jeanne utiliza então, como estratégia para compensar o reduzido conjunto de registros visuais para os fotógrafos das décadas iniciais, anúncios e outros documentos iconográficos.


Os recenseamentos não registram, contudo,  a mulher como força de trabalho antes de 1870. E, apenas em 1890, passam a indicar mulheres negras no mercado de trabalho, aspectos que limitam certamente o conjunto de informações. Ainda assim é possível traçar um quadro espantoso pelo crescimento em número, e, lentamente, em diversidade.

Em 1850 são registrados 892 daguerreotipistas homens, concentrados na região nordeste do país:  240 no estado de Nova York, 153 na Pensilvânia e 53 em Connecticut. Outras fontes, porém,  já indicam neste último estado a presença de um fotógrafo negro.

O uso de fontes como diretórios municipais permite expandir assim o levantamento. Em 1866, registra-se a primeira profissional negra, em Houston – Mary E. Warren – “photograph printer”, estabelecida na região central, junto a outros estabelecimentos fotográficos. Surge assim um aspecto fundamental: qual o grau de conexão com outros profissionais brancos ou não, quais as clientelas e estratégias de negócio possíveis para esses profissionais negros?

Jeanne faz uso também de anúncios em jornais para identificar profissões exercidas por homens e mulheres negros. Destaca a relevância de uma imprensa negra (como vetor de comunicação dirigida e como fonte documental agora), formada por mais de 20 títulos circulados entre 1832 e 1852, que atingirá em 1886 um total de 146 publicações. Os primeiros anúncios de fotógrafos profissionais surgem nesse contexto em 1860. A autora supõe que o recurso a esses anúncios possa ser motivado pelo crescimento da população negra urbana entre 1860 e 1900, expandido o universo de leitores. As contínuas migrações de membros das comunidades negras dos estados do sul para o norte, que permaneceram em graus distintos até meados do século XX, contribuíram para esse aumento populacional.

Dez anos depois, o censo realizado em 1870 registra 452 mulheres empregadas em estabelecimentos fotográficos em 28 estados nas mais diversas ocupações. Destas, 228 estão registradas como fotógrafas, mas sem indicação de origem racial. Como referência, no mesmo ano a cidade de Nova York possuía 300 estúdios fotográficos.

Durante a década de 1880 é crescente número de anúncios de fotógrafos na imprensa negra, basicamente homens. Surgem casos isolados de mulheres negras, associadas à fotografia, em campos distintos. Em 1886, indica Jeanne, Fanny J. Thompson é uma praticante amadora, estabelecida no Tennessee. Em 1887, Hattier Baker, em Ohio, atua como profissional especializada em ampliações fotográficas. 

A década seguinte registra a expansão significativa da presença de mulheres como profissionais em fotografia. O censo de 1890 lista 2.201 fotógrafas, das quais 6 mulheres negras. Esses são os primeiros registros discriminados de raça na série de censos nos EUA quanto a ocupações. No quadro geral, de um total de 975.530 mulheres negras empregadas em todo o país, apenas 2,76% atuavam no segmento de manufaturas e ofícios mecânicos, categoria em se insere a fotografia.

Criada em 1900, a National Negro Business League começa a debater a participação no mercado de trabalho. Como indica, essa participação já ocorria em todos os segmentos inventariados pelo censo daquele ano. Isso inclui então 190 fotógrafos negros. O levantamento lista 17 mulheres negras como fotógrafas profissionais para um total de 3.587 mulheres atuantes no segmento em todo o país.

As fontes surpreendem, mas ressalte-se que uma análise acurada mereça ser feita pois a menção de tantos dados em meio ao texto corrido parece exigir mais atenção. Os números do censo em 1910 indicam que o número de fotógrafas negras mais do que dobrara em uma década. No entanto, essa fonte poderosa apresenta mudança de parâmetros e perde a relevância.

Viewfinders apresenta no recorte temporal do século XIX um panorama  com uma diversidade de especializações (como fotógrafas, retocadoras e especialistas em impressão, por exemplo) e detecta estratégias para conquistar mercados, seja um público amplo ou aquele voltado diretamente a comunidades afro-americanas. A sensibilidade da autora no trato das fontes surpreende, em especial se confrontada com outros profissionais como Naomi Rosenblum (1925), importante historiadora de uma geração intermediária entre aquela ativa nos ano 1940, na qual Beaumont Newhall (1908-1974) se insere por exemplo, e outra, mais jovem, que se forma a partir de graduações e programas de pós-graduação em artes e fotografia.

Conhecida por sua capacidade de trabalhar com extensos conjuntos documentais, Naomi Rosenblum em sua obra A History of Women Photographers (1994, Abbeville Press, 356p.), projeto de longa maturação, traça um quadro menos analítico e potente do que o apresentado em Viewfinders lançado oito anos antes. Jeanne consegue estabelecer percursos individuais, a despeito de uma iconografia remanescente ainda em configurações incipientes. Permite entender como ser um produtor de imagens negro na América, como empreender e gerar um legado.

Uma indicação bibliográfica sobre esse panorama, complementar à obra de Jeanne, além das obras de Deborah Willis, é um mero livro de difusão, obra de leitura rápida: Black artists in photography, 1840-1940 (Cobblehill Books, 1996, 104p.). Escrito por George Sullivan (1927), autor de uma centena de publicações para grande público, em especial jovens leitores, relação que inclui biografias sobre os fotógrafos Matthew Brady e Berenice Abbott, Black artists apresenta um conjunto de perfis profissionais distintos, cujo ponto significativo é reconhecer a diversidade de ações desses profissionais, negociando espaço de trabalho e a constituição de uma clientela em contextos específicos (veja). Os ensaios, ainda que sob a marca de uma história positiva, introduzem os temas da escravidão, do ativismo e da luta antiescravagista no contexto estadunidense, e, em especial, apontam o desafio e limitações dessas comunidades para se constituirem como sujeitos livres.


Quando a pele incendeia a memória: de volta ao Brasil

Descobri José por causa do racismo. Em dezembro de 2020, na cidade de Natal, o fotógrafo Diogo Mãozinha, como se apresenta, é vítima de agressão virtual. Fotógrafo e dançarino, Diogo Ricardo do Nascimento tem seu retrato divulgado, como suspeito de assalto, entre grupos de aplicativos organizados por moradores de bairro de classe média alta.  Diogo expressa indignação em seus perfis nas redes sociais o que chama a atenção da mídia local. Os algoritmos, poderoso instrumento reforçador de repetições, giraram em falso em seus desdobramentos.

Nota sobre o caso surge no portal local Saiba mais: agência de reportagem (veja matérias em 09 e 13.12.2020). Quase desapercebido, entre os links de outras matérias do jornal, um deles indicava o artigo, escrito por Isabela Santos em setembro de 2018, que noticiava: Livro sobre primeiro fotógrafo negro do RN participa de festival no Instituto Moreira Salles (veja).

Quando a pele incendeia a memória, de Angela Almeida.
Capa da edição eletrônica, 2019.
Clique aqui para download direto ou
para ver a página do repositório UFRN

O Festival Zum 2018, em sua convocatória de fotolivros, reunia entre os selecionados: Quando a pele incendeia a memória, de Angela Almeida, editado pela UFRN. Lançado no ano anterior, acompanhado de mostra temática organizada pela autora, artista visual e docente da UFRN, o livro apresenta um aproximação à obra de José Ezelino da Costa (1889-1952), fotógrafo negro ativo nas décadas iniciais no século passado em Caicó, a quase 300 km de Natal. (veja edição 2019)

José, filho de escrava alforriada, atua como fotógrafo, produzindo retratos e registrando o cotidiano local. No entanto, Angela trabalha aqui com conjunto peculiar de imagens, retratos da família, sua mãe e sobrinhos, em cenas posadas, improvisadas em ambientes domésticos. A coleção é pequena, nem mesmo formada por fotos originais, mas quase sempre reproduções posteriores. Embora os textos delineiem breve perfil do profissional no contexto de pequena cidade no semiárido do Seridó potiguar, as imagens surgem como base de intervenções em desenho e aquarela, que buscam nas palavras da autora discutir a representação do homem negro em registro privado.

Entre tantos fotolivros selecionados, Quando a pele incendeia, cuja edição não segue o formato historiográfico convencional, talvez tenha passado desapercebido.  Embora registrado com destaque no site da Revista Zum (18.12.2018), a edição, disponível na Biblioteca de Fotografia IMS, não recebeu aparentemente maior atenção no contexto paulistano. Caso distinto ocorre na recepção regional de origem com intensa difusão na mídia digital, em especial.

Lançado em mostra homônima no Natal Shopping, entre 8 e 28 de setembro de 2017, a expografia permitia, diferentemente do livro, visualizar com mais atenção tanto os retratos em ambiente doméstico realizados por José Ezelino como a série produzida por Angela Almeida, como registram as imagens da mostra presentes no blog da artista (Sombra da Oiticica, post, 02.10.2017). Assista também a reportagem pela TVU RN, em 14 de setembro, com cenas da abertura da mostra e depoimentos (YT: 2’53: assista).

Meses depois, em dezembro, a mostra é remontada em Caicó, onde atuara o fotógrafo há cem anos, ocupando o Salão Nobre da antiga prefeitura. Um relato da mediação realizada nessa montagem é feito pelos educadores no ensaio Mediação artística e cultural: construindo sentido a partir da obra de José Ezelino da Costa – Caicó/RN, publicado no ano seguinte (MIGLIORINI, 2018, p.299-313, veja).

Entrevistas a programas locais permitem compreender o processo de pesquisa e organização do livro, como a realizada no programa Café Filosófico, produzido pela UFRN, em 12 de dezembro de 2017 (assista no You Tube, 24′: ), e também, dois anos depois, em Café com foto, programa organizado pelo Mercado da Foto, grupo fotográfico ativo em Natal, em 12 de outubro de 2019 (assista no Facebook: 60′).

Angela Almeida contou nesse projeto com o apoio da sobrinha-neta do fotógrafo a arquiteta Ana Zélia Maria Moreira, que lhe apresentou o álbum de família, herança deixada por sua mãe. Nascido em sítio no Umbuzeiro, em 1889, José é um dos oito filhos de Bertuleza, que como sua irmã Bartuleza, era escrava alforriada. Criado em Caicó, sede do município, mora com a mãe, sem casar-se. As irmãs, numa família de muitas mulheres a que se somam as primas, eram costureiras, uma delas especializada em mortalhas. Hoje, os descendentes espalham-se entre os estados do Rio Grande do Norte e Bahia.

José manteve atividades entre a fotografia e a música, em especial. O aprendizado em fotografia parece ter sido fruto de dedicação pessoal. O panorama fotográfico no estado, em especial no sertão, no Seridó, que  se espalha entre o Rio Grande e a Paraíba, é marcado pela presença eventual de profissionais itinerantes. É o caso do alemão Bruno Bourgard, que, entre 1885 e 1910 estará regularmente ativo entre Natal, no Rio Grande do Norte, e Campina Grande e João Pessoa, na Paraíba. Como seu irmão B. Max Bourgard, com que mantém parceria na fase inicial, Bruno deve ter frequentado festas e outros eventos no interior do estado como retratista. O contato com Bourgard nessas ocasiões pode ter estimulado Ezelino em optar pela prática como fotógrafo profissional. Outro estímulo plausível poderia ser o contato eventual com figura local, Manoel Dantas (1867-1924), filho de coronel, radicado em Natal, conhecido por sua produção amadora com imagens estereoscópicas da capital do estado.  Em Caicó, cidade de pequeno porte, na qual desde cedo José Ezelino atua como músico na banda local, com apresentações regulares em festejos diversos, esses aspectos podem ter permitido aproximações e colaborar na inserção de um homem negro nos segmentos médios, predominantemente brancos.

Acredita-se que sua primeira câmera tenha sido presente de um vizinho que, voltando de uma viagem a Recife, trouxe o equipamento. Angela aponta que o autodidata José se estabelece como fotógrafo negro, produzindo a iconografia de uma comunidade branca, que irá constituir a história visual da cidade. Os retratos da família, do universo privado da comunidade negra, são imagens até agora desconhecidas.

Sobre a rotina do profissional, não há mais dados em Quando a pele incendeia a memória. Sabe-se das viagens a Recife e ao Rio para compra de materiais fotográfico. O estúdio que mantém na Avenida Seridó, ao lado da segunda residência da família, adotaria iluminação zenital, que Ezelino, como aponta Angela, consegue manejar para obter uma luz suave em contraste com a “luz dura” do semiárido. Ao abandonar a atividade profissional Ezelino teria deixado seus equipamentos com um dos sobrinhos – Quirino , que atuaria como profissional, em Natal, no bairro do Alecrim.


José Ezelino: fotógrafo de Caicó

Ao contrário do que se pode pensar a partir da recepção da mostra e do livro na mídia em Natal e Caicó, sob a marca do fotógrafo negro pioneiro, José Ezelino não era um desconhecido. É nesse mesmo registro, que sua obra é lembrada, por exemplo, em outubro de 2016, no artigo ‘José Ezelino, um pioneiro da fotografia seridoense’, no portal Substantivo Plural, por Fernando Bezerra. (veja)

Outubro é mês de comemoração em Caicó, celebração da Festa de Nossa Senhora do Rosário, marca da atuação desde o final do século XVIII da Irmandade dos Negros do Rosário, como destaca o artigo. É mês também, como lembra sua sobrinha-neta Ana Zélia Maria Moreira, do aniversário de morte de Zézelino, apelido familiar do fotógrafo, em 25 de outubro de 1952. Surgem imagens e referências à sua produção imagética da cidade. Da enchente de 1924, numa região semiárida marcada por rios intermitentes, da visita do Presidente Washington Luiz, recém-eleito, para inaugurar o Hospital de Seridó em 1926, do registro da construção do açude Itans, a sudeste do núcleo urbano, inaugurado em 1936 após longo período de obras iniciadas quatro anos antes.

Caicó, onde o fotógrafo atua, a 282 km de Natal, situa-se no Sertão do Seridó, que se estende ao sul pelo estado da Paraíba. Abriga hoje cerca de 68 mil habitantes, como estima o IBGE, cerca de 1,94% da população estadual. Cortado pelos rios Seridó e Barra Nova, o núcleo inicial surge em 1748 como distrito, sob a denominação de Vila Nova do Príncipe. Quarenta anos depois é elevado à vila, e, em 1868, à cidade. Doze anos depois a cidade ganha o nome de Seridó, mas em poucos meses adota a denominação atual.

A economia é marcada no século XIX pela pecuária, mas nos anos finais do período estabelece-se o ciclo de algodão. Durante as décadas iniciais do século seguinte, essa produção terá como fim principal abastecer a indústria têxtil do Sudeste. A importância desse produção é expressa com centralidade no brasão da cidade, que tem ao centros ramos de algodoeiro.

O Malho, RJ, v.12, nº575, p.[49], 20 de setembro de.1913. Fonte: FBN

É como músico o primeiro registro disponível sobre José Ezelino. Música no Rio Grande do Norte é o título de nota na revista carioca O Malho, em 20 de setembro de 1913. Jovem, aos 24 anos, José é o diretor de ensaio da “afinada” banda musical de Caicó. Na imagem, realizada em São João do Sabugy, cidade a algumas dezenas de quilômetros de Caicó, onde a banda faz apresentação em festejo, ele está sentado ao lado de Francisco Gorgonio, “diretor geral e grande influência política local.” 

No destaque, da esquerda para direita: José Ezelino, diretor de ensaios, e Francisco Gorgonio, diretor geral e “grande influência política local”.
Este aspecto parece ter deixado traços na relação de prefeitos de São João do Sabugi, elevado à município em 1948. O Malho, RJ, v.12, nº575, p.[49], 20 de setembro de.1913. Fonte: FBN

Ezelino parece aqui contente, junto à banda, algo distante do senhor mais velho dos retratos no álbum familiar, talvez já afastado da prática como fotógrafo. A nota que acompanha a imagem traz dado simbólico: ele é apresentado como “nosso assinante.” Quase certo o envio da imagem à redação deve ter sido sua iniciativa e indica busca de status social. O Malho é então um dos grandes veículos da imprensa, com alcance nacional, momento de grande relevância no segmento, como nos anos 1940 teria o mesmo papel  a revista O Cruzeiro e, mais tarde, a Manchete.

Cinco anos depois, em 1918, José Ezelino já está atuando como fotógrafo profissional, único registrado na cidade de Caicó. É o que indicam os dados publicados no tradicional Almanak Laemmert, impresso no Rio de Janeiro, nas edições para os anos de 1918 a 1931, agora como Annuario Commercial, industrial, agrícola, profissional e administrativo da Capital Federal e dos Estados Unidos do Brasil. (edições relativas aos anos 1918-1923, 1925-1927, 1930-1931).

O almanaque traz regularmente dados que delineiam a imagem da cidade então: “O território do município é na sua maior parte composto de terrenos pedregosos, impróprios para qualquer cultura, frequentemente assolado pelas secas e inundações, tem atualmente 400 açudes”. As atividades econômicas em destaque são a cultura do algodão e da cana de açúcar, bem como  a indústria de laticínios e o beneficiamento de algodão. O município abriga então um total de 30.000 habitantes,  com apenas 1.560 eleitores (lembrando que mulheres, analfabetos, menores de 21 anos, mendigos, indígenas, membros do clero, entre outros, não tinham direito a voto então). Caicó, em seu núcleo urbano, com 500 “fogos”, apresentava uma população de 3.000 habitantes. Esse perfil se mantém nos anos seguintes. Em 1922, provavelmente com dados do censo realizado dois anos antes, a população registrada nos almanaques atinge 35 mil habitantes, mas o núcleo urbano conta com apenas 2.500 moradores. Esses números se repetem até 1930. Em todos esses anos José surge com único fotógrafo registrado. Em 1926, os dados indicam, mencionados aqui  como referência, a presença de dois médicos, dois barbeiros e três padarias entre as raras especializações, como também dois automóveis. Francisco Gorgonio da Nobrega, quase certo o diretor da banda musical em 1913 é há algum tempo listado como proprietário de uma das duas fábricas de “descaroçar arroz”. Os dados dos municípios, nas edições de 1930 e 1931, trazem uma total de habitantes menor, com 22 mil moradores, e uma população urbana, estimada em 1927, de 3.500 “almas”.

Em 1926 e anos seguintes, a imprensa registra, traço significativo da inserção de José Ezelino na sociedade local, a eleição como primeiro tesoureiro na chapa que toma posse em maio no Centro Operário Caicoense. É reeleito para o mesmo posto no ano seguinte. (Diário social. Diário de Pernambuco, Recife, edições de 22 e 27 de maio de 1916, p.2; Vida operária. A Noite, RJ, 30 de junho de 1927, p.2; O Operariado. Jornal do Brasil, 1 de junho de 1917, p.19).  Anos depois é eleito, em segmento completamente distinto, em fevereiro de 1937 como tesoureiro do Itans Esporte Clube; reeleito em 1939 na mesma função por mais dois anos (Desportos. A Ordem, Natal, 3 de abril de 1937, p.2; idem, 11 de abril de 1939, p.2).

Anúncio, sem data e veículo de publicação, circulado na internet em diversos posts, mas provavelmente editado em: O Seridoense, 16.07.1926, conforme indicado em: ROSTAND, Medeiros. ‘Caicó através dos seus serviços públicos e privados’. Tok de História, site, 29.05.2011, no qual o autor Medeiro Rostand refere-se ao fotógrafo como “Manoel Eselino”. (veja)

Data também de 1926, o único anúncio conhecido do fotógrafo, provavelmente publicado no jornal O Seridóense, de 16 de julho. Registro circulado usualmente na internet, sem dados de publicação, entre eles em artigo de Medeiros Rostand, em 29 de maio de 2011: ‘Caicó através dos seus serviços públicos e privados‘, no site Tok de história. Curiosamente, o autor refere-se ao fotógrafo como “Manoel Eselino”, além de fazer referência a um total de dez mil imagens produzidas pelo profissional (veja).

A inserção publicitária, sob o título José Eselino: photographo, grafado com “s”, é curiosa: veja a reprodução acima. Caso raro, no segmento,  inclui em destaque o retrato do próprio profissional, que parece utilizado como marca de identidade numa cidade de pequenas dimensões. O texto enfatiza a “longa prática” adquirida com profissionais do Rio e Recife, como também a produção de retratos “grandes e pequenos, com e sem molduras”, para o que dispõe de aparelhos e “bastante material para atender a qualquer encomenda.”.

José Ezelino parece estar em atividade ainda em 1937, ao longo de quase duas décadas de prática. É o que possível supor a partir de nota na imprensa, no Jornal do Recife, em 29 de outubro, que indica o regresso a Caicó no dia 18, de volta de Recife, de José Ezelino e Humberto Gama, onde “foram a negócios” (Dos estados. Jornal do Recife, Recife, 29.10.1937, p.5).

Nos ano seguintes não há registro de sua atuação como fotógrafo. Como músico, participa em abril de 1941 da primeira missa cantada do Padre Eymard Monteiro, na Catedral de Caicó. “Inicialmente o coro, constituído por um grupo de distintas senhorinhas, dirigidas pelas Irmãs do Amor Divino, coadjuvadas pelo maestro José Ezelino e seminarista Aderbal Vilar, entoou o cântico Juravit.” (A primeira missa do Pe.Eymard Monteiro. A Ordem, Natal, 17 de janeiro de 1941, p.1). A atividade musical parece assim ter sido prática contínua.  Em 1936, em registro anterior, Ezelino anunciava no jornal A Ordem, de Natal, em agosto a venda “por preço razoável uma bateria de jazz-band nickelada, completamente nova” (A Ordem, edições de 1, 5, 6 e 7 de agosto, p.2). O interesse musical estende-se aos diversos gêneros, chegando José a integrar a orquestra Jazz Independência (DANTAS, 2003, p.189)

Data de 1942 o último registro na imprensa, quando o fotógrafo aparece entre as adesões ao banquete oferecido ao Bispo de Caicó (Diocese de Caicó. A Ordem, Natal, 20 de novembro de 1942, p.3). Esse conjunto de ações, além da prática profissional prolongada, permitem caracterizar o grau de inserção de José Ezelino, homem negro, em diferentes momentos da vida social local, que se articulam como marcas de prestígio e busca de autenticidade.

Caicó, no início da década de 1950, quando José Ezelino morre, é cidade em intensa modificação e ao mesmo tempo imemorial. Em 1950, o município conta com 24.214 habitantes, dos quais cerca de 7.000 no núcleo urbano. Das 59 ruas que compõem esse núcleo apenas sete são pavimentadas. A luz que ilumina no início da noite suas ruas depende, como implantado em 1925,  do gerador utilizado pela prefeitura. Então sua economia marcada pelo comércio do algodão dá espaço ao beneficiamento do produto. Dez anos depois a população urbana mais do que duplica, atingindo 16.233 habitantes, em contraste com o total do municipal que supera por pouco um crescimento de dez por cento (ARAUJO, 2010, p.14-15). Das imagens da cidade produzidas por Ezelino pouco se sabe quanto a extensão, temário e períodos de cobertura. Dos retratos e reportagens sociais, como casamentos e festas, menos ainda, embora se possa prever uma extensa recorrência nas coleções privadas locais, em álbuns e retratos isolados. As imagens remanescentes localizadas, reproduções posteriores, não trazem marcas do estúdio,à exceção do retrato de grupo reproduzido no início do artigo com carimbo circular: “José Ezelino / photographo/ Caicó”. Apenas uma publicação, na década de 1990, parece reunir imagens de sua autoria, ainda assim, mesmo nos textos acadêmicos, indicada de forma pouco precisa: Álbum fotográfico: Caicó. Ontem e hoje (Caicó: Éle Éle/Comunicação publicitária de Caicó, [1994])

Avaliar, contudo, a presença de suas imagens em acervos públicos é, remotamente, implausível. Tanto o arquivo da cidade, que não é registrado nas páginas online da administração municipal ou da Câmara, como o Arquivo Público do Estado, cujo endereço online traz dados sumários sobre a instituição, não podem ser avaliados. Nem mesmo dados mais precisos sobre acervo são identificados no Museu do Seridó, unidade universitária mantida pela UFRN. No entanto, é a produção acadêmica da universidade federal, em mestrados e doutorados e nas revistas acadêmicas, o principal conjunto documental e crítico a explorar como fonte para estudos futuros, como veremos, pois, como todo o sistema do segmento no Brasil, ele se realiza plenamente em forma digital.

Um mundo à frente: um projeto para novas gerações

Em termos simbólicos, poderíamos pensar como mera coincidência que a figura de José Ezelino da Costa, no sertão de Seridó, no Rio Grande do Norte, fosse o marco inicial desse grande projeto geracional que se impõe para recuperar a presença negra na fotografia brasileira anterior à década de 1950.  Evento, que nos alerta sobre onde procurar outros autores em dinâmicas próximas.

Esse encontro não teve lugar como esperado até agora. Não, como entre tantos outras situações tomadas como hipóteses. Seja como eventual fotógrafo atuante nas cidades do Sudeste brasileiro, como Rio ou São Paulo, onde se imaginaria plausível a presença nos estúdios de retratos das primeiras décadas do século XX como mão de obra contratada. Ou terceirizada, em serviços como o retoque, usual segmento que utiliza por exemplo a mão de obra feminina, sem vínculos permanentes.  Ou ainda a possibilidade de atuação, de ascensão possível, através da indústria gráfica (afinal Machado de Assis foi contratado como aprendiz de tipógrafo, aos 17 anos, em 1856), em especial a partir da década de 1910 quando grandes grupos editoriais surgem em São Paulo ou Rio. Ou ainda, no fotojornalismo, em surtos de renovação nas décadas de 1910 e 1940. É aqui por exemplo que Walter Firmo dá início nos anos 1960 a uma carreira de mais de 60 anos, mas Firmo é um dos raros marcos de outra história da qual “conhecemos algo”, apenas isso “algo”.

Foi no fotojornalismo da década de 1970 que casos similares podem ser identificados, alguns dos quais conheci em meus primeiros contatos com o campo da fotografia em 1982, fotógrafos negros ativos em jornais como Notícias Populares ou outros do grupo Folha, quando a questão dessa presença, dessa ausência, não surgia para mim como problema, pois eram indivíduos próximos, visíveis. Como também era concreta a presença de Walter Firmo, como fato reconhecido, como sinaliza em 1983 a mostra individual Ensaio no tempo: 25 anos de fotojornalismo, no MAM Rio, em dezembro, remontada em outubro do ano seguinte no MASP. Estranha contabilidade, porém, ocorre no título da mostra, provável recurso retórico, pois Walter Firmo já está creditado com destaque na matéria Um dia na vida de Copacabana, na edição de  junho de 1966, em dez páginas (p.38-47 e 49: veja e aproveite e explore a presença de Firmo na Manchete como membro da equipe entre 1966 e 1971).

Quando a pele incendia a memória não é, assim, uma resposta, nem um ponto de chegada, mas um ponto de deflexão. O registro documental pareça ser mínimo, restrito à memória familiar, e ainda exige maior investigação nessa dupla perspectiva de esferas pública e privada. Mas a edição, a percepção de José Ezelino como autor negro, é um direcionamento potente.

Há tanto a responder, a problematizar: a inserção das comunidades negras em núcleos urbanos de escala similar, a dinâmica das relações raciais, os marcadores sociais do Sertão, distante dos núcleos urbanos do litoral.  É possível, mesmo agora, avançar e explorar, como mencionamos, o repertório acadêmico regional que se estabelece nas duas últimas décadas. Ele permite caracterizar dinâmicas, definir historicidade, para entender as permanências do legado da escravidão.

Quase certo a primeira referência a Ezelino nesse segmento data de 2000. Surge no contexto de recuperação da memória urbana, da cultura do interior potiguar. Eugênia Maria Dantas, já docente da UFRN Campus Caicó, doutoranda em Educação, participa da 23ª Reunião Anual da ANPEd, em Caxambu (MG), em setembro de 2000, com a comunicação Educação-fotografia:  impressões e sentidos (veja). Dantas discute então a educação enquanto espaço de criação e o papel da narrativa histórica nessa aproximação. Delineia conceitos implicados em seu projeto de doutorado como memória e discurso fotográfico, apresentação que encerra com citação de Moacyr Cirne, acadêmico, nascido em São José do Seridó, atuante no Rio de Janeiro, considerado um dos grandes especialistas brasileiros em HQs, que explicita a referência já estabelecida sobre o fotógrafo: “Antes de Mim, / entre o Seridó e o Barra Nova / Caicó já existia, / As fotos de José Ezelino/ Uma só poeira um só antigamente/ Não me deixam mentir”.

 Antes da conclusão do doutorado em 2003, Dantas apresenta a comunicação José Ezelino: escritos pela luz, no II Congresso Brasileiro de História da Educação (Natal, 2002). No ano seguinte, publica o ensaio José Ezelino e a escrita da luz, na antologia Polifônicas idéias: por uma ciência aberta (Porto Alegre, 2003, p.187-190).

A partir de sua atuação acadêmica, como orientadora, Dantas acaba estimulando o estudo da documentação fotográfica, como registro documental, como discurso simbólico nos processos culturais no recorte regional. Entre eles, incluem-se bolsistas de iniciação que se integram em meados da década de 2000 ao projeto de pesquisa Fotografia e Complexidade: itinerários norte-rio-grandenses, coordenado pela docente (veja, por exemplo, MELO, 2006), muitos deles autores que trabalharão esse temário ao longo dos projetos de pós-graduação.

Contudo contribuições fundamentais para esse projeto geracional têm lugar nos campos da antropologia, da geografia, atentos às dinâmicas socioculturais de longa duração em especial.  Nas duas últimas décadas é possível identificar na produção acadêmica no recorte potiguar ações que põem em questão a construção social que ocorre em meados do século passado promovendo uma paisagem social em que as comunidades indígenas e negras foram suprimidas.

Nessa direção, seria possível destacar a produção da antropóloga Julie Antoinette Cavignac (UFRN/DAN). Seu artigo A etnicidade encoberta: ‘índios’ e ‘negros’ no Rio Grande do Norte (Mneme, 2010, veja) aborda “ausências visíveis tanto na produção acadêmica quanto nas representações coletivas” (grifo nosso), através de uma revisão severa  em longo artigo. Destaca a percepção que se estabelece de um estado em que, distante dos grandes ciclos econômicos, teria vivenciado uma escravidão peculiar, como fenômeno permeado por relações de poder amenizadas. Esse processo ideológico, no qual autores como o antropólogo Luis da Camara Cascudo (1898-1986) têm participação, teria estabelecido condições de menor estímulo a estudos de casos, depuração de estatísticas, agindo no limite como obstáculo ao reconhecimento e autorreconhecimento daqueles grupos sociais. 

Cavignac enfrenta os dados disponíveis, conflitantes quase sempre. Caicó, antes de ser Caicó, conta em 1811 com 871 escravos. Em 1824, outro registro indica a presença de 2.112  brancos,  2.799  pardos  e  455  negros  em  Caicó, decréscimo neste caso, pela característica peculiar econômica que levava a uso menos intensivo de mão de obra escrava, com  espaços sociais mais fluidos quanto à convivência entre núcleo familiar branco e o trabalhador escravizado, nem por isso menos regulados socialmente. “Nessa  época” (1854)”,  o  interior  do  Rio  Grande  do  Norte, sobretudo as regiões de Açu e de Caicó concentravam um grande número de escravos;  eram  geralmente  empregados  na  agricultura  a  na  criação  de  gado (Lima 1988: 22). O estudo dos dados leva a pensar que o Seridó possuía um número  elevado  de  escravos,  desde  o  final  do  século  XVIII.” (CAVIGNAC, 2010, p.36).

Para aprofundar essas questões, nos mais diversos registros, é oportuno a leitura da antologia  Seridó Potiguar: sujeitos, espaços e práticas  (Editora IFRN, 2016, veja), com contribuições a partir da produção acadêmica recente. Entre elas, ensaios que caracterizam as condições de inserção e interação interracial nesse contexto como os artigos de Pedro Queiroz – ‘Os mecanismos de preconceito racial numa cidade de sangue no sertão’ (p.47-64),  e de Bruno Silva – ‘“Nego veio é um sofrer”: representação, agência e subalternidade numa irmandade negra do Seridó’ (p.65-82).

Entre tantos caminhos possíveis, a trajetória futura sobre os estudos dedicados à presença de José Ezelino da Costa é caminho em aberto. Como o relâmpago que ilumina a paisagem noturna por milésimos de um tempo que parece eterno, o conhecimento da produção, circulação e reiteração de suas imagens delineia, numa percepção fugaz, um horizonte de expectativas que é preciso dar forma efetiva, como desejo ardente.



Referências

Livros

  • ALMEIDA, Angela. Quando a pele incendeia a memória: nasce um fotógrafo no sertão do século XIX. Natal: EDUFRN, 2017. 145p. versão impressa. distribuição gratuita
    disponível em: Biblioteca de Fotografia- IMS Paulista (SP)
  • ALMEIDA, Angela. Quando a pele incendeia a memória: nasce um fotógrafo no sertão do século XIX. Natal: EdUFRN, 2019. 138p.
    publicação eletrônica (PDF)
    disponível em: https://repositorio.ufrn.br/handle/123456789/27280
    Acesso em: 20 de dezembro de 2020

  • DANTAS, Eugênia Maria. José Ezelino e a escrita pela luz. In: ALMEIDA,  Maria da Conceição de (org), KNOBB, Margarida (org); ALMEIDA,  Angela Maria de (org.). Polifônicas ideias: por uma ciência aberta. Porto Alegre: Sulina, 2003, p. 187-190.
  • _____. Fotografia e Complexidade: a educação pelo olhar . Natal: UFRN, 2003. Tese de doutorado em Educação. Orientação: Maria da Conceição de Almeida.
  • MOUTOUSSAMY-ASHE, Jeanne.  Viewfinders: black women photographers.  New York: Dodd Mead & Co, 1986.  201p. 2ª ed.- 1993, Writers & Readers Publishing.
  • QUEIROZ, Pedro Fernandes de. Os mecanismos de preconceito racial numa cidade de sangue no sertão. In: MACEDO, Helder Alexandre Medeiros de (org), MEDEIROS, Olívia Morais de (org), SANTOS, Rosenilson da Silva (org).  Seridó Potiguar: sujeitos, espaços e práticas. Caicó: Editora IFRN, 2016, p.47-64.
    disponível em: https://memoria.ifrn.edu.br/bitstream/handle/1044/977/Seridó Potiguar – Ebook.pdf
    Acesso em: 2 de janeiro de 2021.
  • SANTOS, Valentim dos; SILVA, André Vicente e. ‘Mediação artística e cultural: construindo sentido a partir da obra de José Ezelino da Costa – Caicó/RN’. in: MIGLIORINI, Jeanine Mafra (org). Reflexões sobre a arte e o seu ensino. Ponta Grossa: Atena Editora, 2018, p.299-313
    disponível em: https://www.atenaeditora.com.br/wp-content/uploads/2018/08/E-book-Arte-1.pdf
    Acesso em: 2 de janeiro de 2021.
  • SILVA, Bruno Goulart Machado. “Nego veio é um sofrer”: representação, agência e subalternidade numa irmandade negra do Seridó. In: MACEDO, Helder Alexandre Medeiros de (org), MEDEIROS, Olívia Morais de (org), SANTOS, Rosenilson da Silva (org).  Seridó Potiguar: sujeitos, espaços e práticas. Caicó: Editora IFRN, 2016, p.65-82.
    disponível em: https://memoria.ifrn.edu.br/bitstream/handle/1044/977/Seridó Potiguar – Ebook.pdf
    Acesso em: 2 de janeiro de 2021.

Artigos

  • FALBEL, Anat. Georgia Louise Harris Brown. In: BWAF: Beverly Willis Architecture Foundation. Pioneering woman of american architecture’: [biographies], site.
    disponível em: https://pioneeringwomen.bwaf.org
    Acesso em: 14 de junho de 2020.
  • MÉLO, Evaneide Maria. Sendas imagéticas: o ato fotográfico no Seridó potiguar. Labirinto, revista do Centro de Estudos do Imaginário, UNIR, Porto Velho, VI(9): jan/jun.2006.
    disponível em: http:// www.cei.unir.br/artigo95.html
    Acesso em: 2 de janeiro de 2021.
  • Música no Rio Grande do Norte. O Malho, RJ, ano 12, v.575, p.[49], 20 de setembro de 1913.


Todas as matérias jornalísticas listadas, salvo indicação em contrário, integram o acervo FBN/Hemerotica Digital.
http://memoria.bn.br


Como citar:
MENDES, Ricardo. O limiar interrompido: a presença de autores negros na fotografia brasileira antes da década de 1950. Boletim FotoPlus, nº 54, jan/mar.2021. disponível em: http://www.fotoplus.com/duas/?p=733. acesso em: [dia], [mês], [ano]

Foto Fax, Fotomail e outros jornais: Alberto Viana, editor

FotoPlus #53 – Novembro/Dezembro 2020

Fevereiro de 1990, na Galeria Fotóptica, Alberto Viana lança  em São Paulo o primeiro número de seu Jornal de Fotografia. Editado em Curitiba a partir de setembro do ano anterior, a publicação acabará constituindo um caso raro entre nós de veículo regional, fora do eixo Rio-São Paulo,  a ganhar visibilidade maior. Em parte, isso se deve à presença de Viana na cena cultural da fotografia desde a década de 1970, nas semanas de fotografia organizadas pela Funarte em vários estados na década seguinte, e em  outros eventos similares.

Talvez por isso seja compreensível que o Jornal de Fotografia, em formato 31 x 25 cm, editado esparsamente até 1996, com interrupções, tenha conseguido visibilidade e permanecido como uma referência a partir da cena curitibana. Mais de 20 anos depois, em outubro passado, Viana retomou  a publicação, em seu número 13, trazendo em destaque o ensaio fotográfico Stop 19 de Tadeu Vilani e Julia Vilani, sua filha,  sobre a pandemia motivada pelo coronavírus.

Alberto Melo Viana, 1951, criado em Vitória da Conquista e radicado na Curitiba da década de 1970, o Baiano, há alguns anos registrou em Fotojornalismo e ação cultural em Curitiba, trabalho final de mestrado (Universidade Tuiuti do Paraná, 2009, disponível aqui), o panorama fotográfico na capital paranaense nas décadas de 1970 a 1990. E, de certa forma, sua ligação ao jornalismo dedicado à fotografia e suas iniciativas contínuas no segmento tenham marcas de origem identificáveis.

Radicado em Curitiba após o AI-5, Reynaldo Jardim, jornalista e artista visual, nascido em 1926 em São Paulo, já reconhecido por projeto editorial e gráfico no carioca Jornal do Brasil nos anos 50, acaba desenvolvendo ali novos projetos de ações culturais. Entre eles, Jardim lança em março de 1978, o jornal Polo Cultural. A publicação semanal acaba se desdobrando em outras, de curta duração, entre elas Grafia, dedicada à fotografia. Viana registrou em 2009 parte dessas ações, em entrevistas com participantes como Jardim, que morreria dois anos depois. Algumas das imagens reproduzidas então tomam como fonte o livro Jornalismo cultural: um resgate, de Selma Teixeira (Gramofone, 2007).

Viana, desdobrando-se no dia a dia profissional entre fotojornalismo e outros setores, explorou contudo diversas formas de imprensa especializada em fotografia. Em meados dos anos 1990, com a interrupção  momentânea do Jornal de Fotografia, decide explorar um segmento alternativo de circulação. Inspirado provavelmente em recurso utilizado pelo setor financeiro como forma de edição de informativos de distribuição eletrônica, lança Foto Fax Jornal. O recurso, como mencionado, não era novo entre nós, pois publicações do setor financeiro já recorriam a aparelhos de fax e de telex.

Fonte: Alberto Melo Viana, reproduzido em Fotomail nas edições 0 (2007) e 130 (22.11.2009)

De curta duração, Foto Fax funcionava também de modo complementar ao Jornal. Na edição de número 7, avisava aos leitores sobre o lançamento do Jornal de Fotografia, número 10. Como recurso gráfico, a impressão permitia uma reprodução tonal muito limitada e o processo de transmissão-recepção acabava gerando um produto final “em aberto”. Em parte, Viana parece ter incorporado bem esses aspectos com uma tipografia associada a um cabeçalho manuscrito numa solução gráfica suja e rápida que reforça a identidade da publicação, quase um grafitti.

Esse registro é comentado, o que interessa aqui, em outro informativo lançado por Viana uma década depois. Em 2007, nasceu Fotomail. Explorava novo circuito de distribuição: o e-mail, dirigido de início a amigos, que replicavam a edição em seus circuitos de ação. Treze anos depois a publicação quase semanal atinge a edição 572, em 30 de agosto passado.

O que é Fotomail enquanto veículo ? Um pouco de tudo: um misto de diário pessoal com informativo sobre fotografia, cursos, exposições… em Curitiba e no Brasil. Distribuído em formatos eletrônicos com PDF ou Powerpoint, circula estritamente por e-mail, embora ocasionalmente tenha tido exemplares abrigados em sites diversos.

Fotomail é também um fenômeno do segmento da imprensa especializada em aberto: a ser estudado. Nesta edição do boletim FotoPlus, reunimos algumas edições, selecionadas de modo a permitir conhecer o desenvolvimento nesse longo período.

Para receber Fotomail, peça ao editor: betoviana51@gmail.com
E aproveite compre a nova edição do Jornal de Fotografia.

Edições:

2007: 001 (00.04.2007), 002 (00.04.2007)
2010: 132 (31.01.2010)
2013: 272 (17.02.2013)
2014: 367 (25.01.2014)
2018: 515 (09.09.2018)
2020: 564 (05.07.2020), 572 (30.08.2020)

Ricardo Hantzschel e imagens da série ‘Covidgrafias’ (2020)

FotoPlus #52 – Agosto 2020

Modos de resiliência entre o privado e o público

Fotógrafo paulistano, Ricardo Hantzschel (1964), um dos nomes mais conhecidos entre os produtores de imagens que fazem uso de recursos de captação como o pinhole, as câmeras buracos de agulha, e de processos históricos de impressão como o papel salgado, além do projeto social Cidade invertida, teve como todos nós, de uma forma ou de outra, de parar. Em meados de março, a quarentena se impôs.

Entre três de maio e primeiro de julho, sessenta postagens, algo tímidas, surgem em seu perfil @rhantzschel, no Instagram, trazendo a série Covidgrafias. Não se trata, porém, da única produção que vem a público. Dias depois, em sete de maio, a série Covidgrama surge em outro perfil – @hantzschelpinhole. Curiosamente Covidgrama aparece de forma mais livre, não articulada, mas marcada pelo uso de processos de impressão como o fotograma, a cianotipia (nº 19, por exemplo). As obras postadas, até 26 de agosto por enquanto (nº 22), são registros de experimentação, explorando cores sobrepostas e o uso de objetos inusitados e folhagens em suas impressões sem filme.

Em Covidgrafias, em seu perfil pessoal, Hantzschel constrói encadeamento distinto de imagens. Em três de maio, sua primeira postagem, ainda sem título, traz imagem apropriada de Louis Stettner (EUA. 1922-2016), tão distorcida espacialmente que mal se revela à primeira vista, sobre a qual pequenos bonecos, soldados, ocupam o terreno como num teatro de guerra. Lá já está a hashtag #mundodistopico, bem como #terradegigantes, as quais permitem, claro, leituras diretas e oblíquas.

“tudo absolutamente normal”, título que marca a segunda postagem, introduz um tom de crônica. Imenso  rinoceronte, boneco de plástico, projeta sua sombra, aparentemente sob a mesma luz solar rasante que cria sombras alongadas de pedestres no viaduto do Chá visto do alto em registro de Cristiano Mascaro.

De certa forma as diretrizes do projeto estão lançadas. Dia-a-dia, o processo minucioso, detalhista e paradoxalmente clean, se desenvolve. Captura aqui ou ali leitores, que se articulam ao seu feed ou aqueles que os algoritmos aproximam.  O prazer rápido, o like talvez não sejam suficientes e exigem que a série seja vista por nós com mais dedicação.

Hantzschel foge aos procedimentos da fotomontagem moderna. Talvez, decorrente da prática do fotograma, explora intervenções espaciais, articulando objetos, sombras que se projetam, e fotografias de um repertório da fotografia de rua, da “fotografia humanista” da segunda metade do século passado. Embora use regularmente a hashtag #apropriacao, ele está mais próximo do conceito adotada por Joan Fontcuberta (La furia de las imagenes, 2016) de adoção. Cuidar da imagem, situá-la em contexto significativo, o que, de certa forma, parece dar algum sentido maior à postagem feita em 1 de julho, ao agradecer aos que acompanharam a série, marcada pela foto que apresenta seus “companheiros”: soldadinhos de plástico e parte de sua biblioteca pessoal.

Dois aspectos podem ser tomados como cruciais. Primeiro, a relação texto e imagem, que parece ter atravessado todos os debates sobre uma visualidade moderna, questionando papéis e autonomia dos meios e explorando interações, surge agora expandida. Além do título, as postagens trazem novo traço contemporâneo: a hashtag, eco atual de uma prática em busca de eficiência informacional. Aqui, o novo está no modo como uma nuvem de termos tensiona cada imagem, em si mesma fruto de uma condensação entre imagens, objetos e intervenções espaciais geradas pelo autor.

O nonsense presente na fotomontagem moderna desde a década de 1920 entre surrealistas e práticas associadas, está em Covidgrafia próximo da ação política como em John Heartfield (1891-1968), autor também presente no campo de batalha reconstituído na série. Sombras, questionamentos à normalidade etc: as hashtags que se sucedem e marcam o período evocam ainda outro autor clássico da fotomontagem como Grete Stern (1904-1999), em especial suas obras para ilustrar artigos sobre psicanálise na revista Idilio, nos anos 1940, dirigida a um público feminino.

A menção a Stern é uma boa desculpa para lembrar que a prática da montagem, da colagem, do scrapbook é tão velha quanto à fotografia pelo menos, para mencionar assim um fenômeno intenso que ocorre na Inglaterra vitoriana entre as mulheres da aristocracia e de estratos sociais médios. Ali, retratos de carte-de-visite mesclam-se em recortes com tecidos, flores secas, num divertissment que, “inocente”, comenta e registra o espaço de poder e jogos de conquista e submissão das mulheres desses estatutos (veja aqui breve nota em FotoPlus nº 38, jul.2019).

A fotomontagem moderna politicamente compromissada, em contraponto, parece ocupada pelo masculino. Em Covidgrafias estão marcas muito próximas como os soldados de plástico (descendentes diretos de seus similares de chumbo do século passado a intoxicar seus donos), traço de um mundo masculino sob a ótica de brinquedos de gênero. Algo irônico, Hantzschel está submetido, sob outra circunstância, a um espaço de confinamento que ecoa o salão aristocrático em que autores como Lady Filmer (1838-1903) teciam suas narrativas


Tecer a narrativa parece aproximação oportuna às Covidgrafias. Como crônica, a série, em suas imagens e hashtags, ecoa, insinua o cotidiano da pandemia, da quarentena e do desgoverno. A imagem, de um passado distante, de Penélope que tece inocentemente de dia e desmancha seu trabalho à noite a protelar o inevitável – que é preciso agir –, parece eclodir de certa forma agora. Irônico, que masculino e feminino possam se misturar em tempos de conflito, em que bordar possa ser uma forma adequada para descrever o procedimento – meticuloso e banal –  de construção que ocorre em Covidgrafias. O inevitável, que é necessário agir, corre ao fundo dessas postagens, entre momentos de humor ou sensualidade, no suceder de hashtags em crescendo – #barbarie #semcomando #desgovernado #tubaina #general #distracao #blacklivesmatter #mentira #pessimismocosmico.

De certa forma, essa necessidade se impõe e parece surgir abruptamente na postagem nº 60, que encerra a sequência. Sob o título Intolerância, numa cadeia de tags que termina na cadência: #intolerancia #asno #burro, o garoto na imagem de Philip Jones Griffiths (1936-2008) arremessa imensa rocha sobre um piano já destruído, em meio a um paisagem marcada por destroços. Imprecisa, aberta a especulações, a imagem do gesto, entre violento e lúdico, encerra um processo de reflexão e condensação visual.

Alguns traços da série acabaram por ecoar igualmente na sequência de Covidgrama. Nesse sentido, as imagens que exploram intervenções sobre capas de jornais, que trazem eventos de forma mais direta, como as obras nº 7, em 31 de maio, ou nº 12, em 9 de junho, são mais evidentes, comentando como na primeira a marca de 22.047 mortes no Brasil em 66 dias de pandemia.

foto: Ricardo Hantzschel (2020)
http://www.instagram.com/rhantzschel


O que vêm à frente está em aberto. Uma nova série – Encaixes iniciada em 10 de julho parece em articulação. Explora o mundo exterior, as ruas da cidade. Marcada por perspectivas distorcidas, pontuadas por postes, placas de trânsito, grafites e adesivos, São Paulo surge entre paisagem “em reconhecimento” e paisagem “nova”. Uma cidade agigantada pela perspectiva acentuada, em contra-plongée, sob raios de um sol forte, do qual é necessário por vezes esquivar-se na tentativa de ver.