FotoPlus #51 – Julho 2020
Abrigo, publicação mais recente do fotógrafo pela Editora Origem, associada a Rios.Greco, é antes um pretexto para retomar aqui o conjunto de livros editados por Greco nos últimos dez anos. Todos estão disponíveis para uma primeira visita através de registros em vídeo no site: marcelogreco.com.
Há algo de circular nos livros de Greco, ação que cria um encadeamento hipnótico. Para mim, por muito tempo, não era possível deixar de associar à obra um fluxo de imagens da cidade, noturnas, esquivas, que se tornavam como uma marca autoral. Mas, à frente de temas ou estratégias mais evidentes, outros traços parecem enredar-se em nós ao folhear estas obras. Um, que para muitos poderia representar aspecto menor, surge como agente de sutil sedução. Aqui e ali, algumas imagens se repetem como gatilhos ao longo das edições. Em geral, encontros visuais, como fantasmas noturnos (a ladeira no Sumaré, talvez), como imagem em relance. O furtivo, ou algo de furtivo, surge nessas cenas noturnas (ou ilusivamente noturnas). Veja em A sombra da dúvida, de 2016, imagens recorrentes, traçando seus fios entre as obras. Por vezes com força; outras, de modo sutil.
Outro aspecto que merece destaque é a construção visual recorrente nas imagens de Greco, que parece elaborar imagens em camadas. Às vezes, como sobreposições – em Abrigo, por exemplo, em chave onírica como o cavalo que surge sobreposto à paisagem. Aqui, talvez como estratégia de reflexo especular, ou então, em processo adicional, como sombras projetadas sobre muros, arbustos replicados, sobrepostos, ao final do livro. Em Brasília (Schoeler), lançado em 2011, o recurso de camadas fica mais evidente através das imagens da cidade, que surge mesclada, em fusão, com o vidro molhado da janela do ônibus que percorre as ruas. Nisso lembra também o uso regular do desfoque, distante contudo do recurso para destacar algum ponto da imagem, mas valorizando a superfície que se funde ao conjunto como massa visual.
Abrigo não deixa de fazer parte desse longo fluxo de imagens de cidades, esquivas, quase sempre em preto e branco. As imagens monocromáticas dominam o conjunto de livros, embora no ensaio Tempos misturados fique evidente que a cor não é um impeditivo para Greco, que chega a um resultado igualmente coerente e evoca mesmo o uso cromático de Luiz Braga, em sua Belém.
O título da obra é contraponto conceitual desejado pelo autor. Nesse aspecto, essa sedução, construída como refúgio, é algo novo que parece escapar ainda à obra. Imagens da série Helena, em si tema de livro homônimo de 2019, parecem distante ainda da potência construtiva das fotografias de um mundo exterior, talvez por estarem ainda muito próximas, como vivências em processo.
Abrigo, como outros livros de Greco, explora um formato de livro de imagens na chave do portfólio clássico, praticado a partir de meados do século passado. Em casos anteriores, surge de modo eficiente, como em Internal affair (2014) ou A sombra da dúvida (2016), ao qual Abrigo deve muito, como edição e seleção de imagens. Talvez, a ênfase dada ao espaço vazio, ao “branco” das páginas, fosse mais bem sucedida em uma edição em formato maior. Nesse aspecto, Abrigo tem algo de obra de passagem, que nos faz olhar para trás e descobrir o conjunto da produção, e ao mesmo tempo desejar o próximo.