Que história você deseja

Proem, por Geoffrey Batchen (2002)

Proêmio

Eu quero um novo tipo de história.
Eu quero uma história que olhe para a fotografia, não apenas para fotografias de arte, uma história que possa falar com a complexidade do cotidiano (uma história que é fiel à vida).
Eu quero uma história que me faça pensar e possa me fazer chorar.
Eu quero uma história que seja impiedosamente honesta sobre o que vê e o que é.
Eu quero uma história cética em relação às afirmações de verdade, incluindo afirmações sobre a verdade do passado, uma história que se liberte de uma narrativa evolutiva.
Eu quero uma história que desconfie do progresso.
Eu quero uma história que não comece simplesmente no começo e termine agora. Eu quero uma história que trace a trajetória de uma imagem, bem como sua origem.
Eu quero uma história que não tenha a pretensão de saber o que é fotografia (e não tenha medo da contradição).
Eu quero uma história que não seja limitada pelo bom gosto e que ouse [transitar] no comércio.
Eu quero uma história que tenha consciência do seu próprio poder e não tenha medo de se dizer política.
Eu quero uma história que comece a partir de fotografias únicas e trabalhe para fora a partir daí.
Eu quero uma história que reconheça que as fotografias têm múltiplas manifestações e são objetos e também imagens (quero uma história que leve em conta todos os meus sentidos).
Eu quero uma história que veja além da Europa e dos Estados Unidos, e que esteja interessada em mais do que os esforços criativos de alguns homens brancos (Eu quero uma história que seja dividida pela diferença).
Eu quero uma história que não pretenda ser universal, desprendida, objetiva, mas que reconheça e implique a subjetividade do escritor
Eu quero uma história argumentativa, insatisfeita, lírica, raivosa, poética.
Eu quero uma história que fale comigo, não comigo, uma história em que o leitor seja um participante cúmplice.
Eu quero uma história onde a sua forma seja também o seu conteúdo.
Eu quero uma história de vanguarda, não uma história da vanguarda.

Que tipo de história você quer?




tradução livre a partir do original em inglês de “Proem”, de Geoffrey Batchen
(via Microsoft translator)

Publicado na abertura de edição dedicada à fotografia vernacular, coordenada pelo autor, em: Aperture, Rochester,  Visual Studies Workshop,  29 (6): 3,  May 2002. disponível em: https://doi.org/10.1525/aft.2002.29.6.3a. Acesso: 23 de junho de 2024



Na última hora, salvo por Lady Filmer

FotoPlus #38 – Junho 2019

Há dez anos, a exposição Playing with pictures: the art of Victorian photocollage, organizada em 2009 pelo Art Institute of Chicago, com curadoria de Elizabeth Siegel, apresentava um dos mais extensos panoramas sobre uma prática vernacular vista até algumas décadas como mera curiosidade. Um entre tantos divertimentos realizados predominantemente por mulheres de classes abastadas inglesas, a fotocolagem ganha então uma dimensão inesperada. Entre os praticantes, a mais conhecida é Lady Mary Georgina Filmer (1838-1903), que produziu vários álbuns com obras em aquarela, desenho e fotografias.

Lady Mary Filmer, ou apenas Lady Filmer, tinha sua produção referenciada há muito, como fez Naomi Rosenblum em A history of women photographers (1994, Abeville Press). Contudo Rosenblum, embora se esforce em propor elos com a fotomontagem moderna produzida 50 anos mais tarde ou com a prática surrealista, não consegue estabelecer o vínculo mais importante: a sua inserção na cultura visual do período. Mais oportuna seria a abordagem de Geoffrey Batchen, em Each wild idea (2000, MIT Press), no ensaio Vernacular photographies, que cita essa produção em sua análise sobre álbuns de retratos.
 


S.T (1864 ca), aquarela e colagem (28,6 x 22,9 cm),
acervo The University of New Mexico Art Museum.
Reproduzida em Rosenblum (1994, 2010, 3ª ed)

O catálogo da mostra e o livro Each wild idea estão disponíveis na Biblioteca de Fotografia / IMS Paulista. A palestra proferida por Siegel, na montagem da mostra em Nova York, está disponível no site do Metropolitan Museum  (página da exposição).