Galeria: artigo “A periferia nos planos do secretário” – Mario Chamie

A periferia nos planos do secretário.
O Estado de S Paulo, 16.09.1979, p.55.
Série Quem empresa a arte, I
(texto parcial)

Dois meses após sua posse como secretário municipal de cultura
Mario Chamie responde a uma roda de entrevistadores.

(Abertura)
“Nos quase dois meses como secretário municipal da Cultura, Mário Chamie – o intelectual que substituiu outro intelectual, Sábato Magaldi – traçou sua linha política em consonância com a administração Reynaldo de Barros, cuja preocupação maior é a periferia. Um de seus projetos mais ousados é o do Arquivo Itinerante, de tal forma elaborado a praticamente resolver o problema de verbas e a criar um mercado de trabalho para artistas. Sua política de descentralização e popularização da cultura inclui a reformulação do sistema de semanas, cursos, simpósios e palestras; a criação de um cinema da municipalidade; a abertura do Idart e do Municipal ao grande público, principalmente para espetáculos internacionais, com récitas a preços reduzidos ou grátis.



“Sheila Leirner, Nilo Scalzo, Carlos Motta, Liane Alves, Zuza Homem de Mello, Clóvis Garcia – todos críticos das diferentes áreas de arte em O Estado de S. Paulo – levantam, junto ao secretário de Cultura do Município, os principais problemas que afetam os criadores para distribuir seu produto cultural.”

(…)

Liane Alves (Televisão) – São Paulo é uma cidade desmemoriada. No Idart (Departamento de Documentação e Informação Artísticas) existem vídeo-cassetes, slides, fotografias e filmes referentes à memória da cidade, trancados a sete chaves, inacessíveis para uma consulta regular e constante da população. Por que não abrir as portas do Idart, patrocinar eventos, ministrar cursos, exibir filmes e fotografias, convidando o público, indo às escolas, para que a memória de São Paulo não fique fechada em algum cubículo inacessível?

Mário Chamie – Concordo com você quando diz ‘cubículo inacessível’ referindo-se ao Idart. Na verdade, é isso o que vem ocorrendo pela precariedade das instalações. Os espaços são de tal ordem limitados que as condições de consulta aos arquivos do Idart são praticamente nulas. Acrescenta-se a isso o fato de não se ter, também, adotado uma política de ‘oferta’ do acervo em benefício dos diversos públicos interessados. Meu objetivo é estabelecer essa política. Nesse ‘cubículo’, a memória cultural de São Paulo corre o risco de morrer asfixiada e, se alguém não abrir janelas para deixar o ar entrar, estaremos contribuindo para a destruição da nossa identidade. Contra esse mobilismo (sic) do arquivo temos tomado algumas iniciativas. O Projeto do Arquivo Itinerante, e outros complementares, procurarão aliviar ou superar esse estado de coisas. No momento está-se fazendo a reforma da antiga casa da 1ª Delegacia, ao lado da Casa da Marquesa (na rua Roberto Simonsen), onde está instalada a Secretaria Municipal de Cultura, dentro dos próximos dois ou três meses, o Idart ou parte dele para lá. Considero, porém, essa solução ainda provisória.”

Fonte:
A periferia nos planos do secretário. O Estado de S. Paulo, 16.09.1979, p.55 (acesso em: 06.01.2025) https://acervo.estadao.com.br/pagina/#!/19790916-32058-spo-0055-999-55-not (acesso para assinantes)

Galeria: artigo “O vigia da memória” – Boris Kossoy

BARROS, Luciana Cristina. O vigia da memória.
Folha de S. Paulo, site, 01.10.1995, Revista da Folha, n.p.
(texto integral)

O vigia da memória
Luciana Cristina de Barros (entrevista com Boris Kossoy)

Boris Kossoy, 54, é professor, fotógrafo e pesquisador, entre outros títulos. Dedica-se à história da fotografia no Brasil, entre outras histórias. Escreveu -entre outros livros- “Hercules Florence 1833: a Descoberta Isolada da Fotografia no Brasil” e “O Olhar Europeu”, junto com sua mulher, Maria Luiza Tucci Carneiro, lançado no ano passado e ganhador do prêmio Jabuti. Kossoy dirige a Divisão de Pesquisa do Centro Cultural São Paulo, que acaba de inaugurar a nova sede do arquivo Multimeios. Criado em 1975 como parte do extinto Idart (Departamento de Informação e Documentação Artísticas), o acervo ganhou espaço adequado para seus 600 mil documentos. São 20 anos de arte e cultura da cidade, divididos em artes cênicas, gráficas, plásticas, arquitetura, cinema, comunicação de massa, fotografia, literatura e música. Kossoy implantou também a área de pesquisa histórica. “Não se pode compreender o processo artístico e cultural se não se compreende o processo histórico de um país.” L.C.B.

O Brasil continua desmemoriado?
Acho que sim. O que nos falta são referências constantes. Daqui a três anos, poucas pessoas vão se lembrar da recente batalha campal entre torcedores de futebol. Na base de tudo, existe algo que se chama educação e cultura, como primeira prioridade. A história, como mãe da ciência, nos ensina o passado do homem e nos dá esclarecimentos do que somos como decorrência do passado.

Como surgiu o projeto do arquivo?
A preservação de documentos é uma questão brasileira que, nos últimos anos, vem acontecendo. Como historiador, jamais pude imaginar que uma documentação do porte e da importância da reunida no arquivo Multimeios não estivesse preservada. Ao ser convidado para dirigir a divisão de pesquisas resolvi levar adiante esta tarefa básica.

As obras consumiram muito tempo?
A construção de arquivos apropriados para a conservação de documentos não é uma tarefa fora do comum. As obras começaram no final de junho e dia 19 de setembro o arquivo foi inaugurado. A partir de agora, essa documentação passa a ter condições técnicas de preservação.

Qual a história do arquivo?
Quando o Idart foi fundado, em 1975, fazia parte dele o Centro de Pesquisas de Arte Brasileira Contemporânea. Em 1982, com a criação do Centro Cultural São Paulo, aquele centro de pesquisas foi incorporado a ele, transformando-se em Divisão de Pesquisas. Na verdade, o que a gente faz aqui é justamente pesquisa sobre a arte contemporânea brasileira, mas o nosso cenário é a cidade.
Quais as principais características da divisão que o sr. dirige e do arquivo?
Primeiro: aqui não se recebe documentação. A pesquisa é feita e os documentos são gerados por equipes da própria instituição, a partir de uma reflexão nossa. Somos cerca de 60 pesquisadores com formação universitária específica nas áreas. Segundo: o material é preservado por essa mesma instituição.

Quais os métodos de conservação?
Diferentes tipos de suporte reúnem as informações arquivadas: fotográficos, fílmicos, sonoros, gráficos e vídeos. Cerca de 70% têm base fotográfica. E existem condições museológicas aprovadas pelas instituições internacionais como parâmetros para conservação. Umidade do ar, temperatura e poluição têm que ser controladas. O equipamento planejado para cá oferece condições perfeitas de conservação.

Quanta informação nova o espaço projetado tem condição de receber?
É coisa para muitos anos, principalmente se pensarmos do ponto de vista da informática. Com o computador e o scanner você pode ter uma quantidade enorme de informações em disco, que antes exigiriam enormes armários. O espaço necessário será cada vez menor, se bem que também preservamos o documento original, a fonte primária.


Em que passo está a informatização?
O arquivo Multimeios já conta com computador próprio, além das máquinas do Centro Cultural. Primeiro, fizemos um levantamento indicativo do acervo, que será publicado em dois meses. É o inventário documental do acervo, que deverá ser anualmente atualizado. Na sequência, trataremos da transfusão e difusão das informações via banco de dados. A idéia é informatizar até a consulta, para que num momento em que o consulente não precise ver o original, ele tenha na tela do computador as condições de saber o que está lá e tenha a referência visual.

Quem pode consultar o arquivo?
Qualquer pessoa. Mas é preferível dar antes um telefonema, porque não funcionamos como biblioteca: nosso atendimento é personalizado.

Quais são as partes que compõem a nova sede do arquivo?
Há uma câmara climatizada onde fica a documentação e três salas de apoio, que também têm as condições adequadas de preservação: sala de som, de microfilme e laboratório fotográfico. A primeira é onde as fitas do acervo podem ser reproduzidas. Na sala de microfilme, guardamos principalmente a documentação de imprensa. Os microfilmes já formam uma documentação selecionada do que sai diariamente na imprensa sobre determinada área de arte ou cultura, que a pessoa pode consultar. O laboratório foi pensado para que os negativos do nosso material não saiam -como até então saíam- da instituição para serem copiados em outro lugar, o que não se concebe.

O arquivo está ligado a instituições estrangeiras semelhantes?
Não há ligação formal, mas universidades como a Sorbonne e a da Califórnia têm perfeito conhecimento do material que existe aqui. Frequentemente recebemos consultas. Queremos difundir o mais possível o que existe no arquivo. Quando entrarmos na Internet -estamos a ponto de- essa meta será facilitada.

Que outras atividades a Divisão de Pesquisas desenvolve?
Nesse momento em que se aproxima o fim do século e em que o Idart comemora 20 anos, as equipes de pesquisa estão envolvidas numa cronologia extensiva, de 75 a 95, cobrindo todas as nossas áreas. Pretendemos publicar essas cronologias. Essa série faz parte do grande projeto interdisciplinar chamado “Referências“e referências é do que o Brasil mais precisa. Além disso, estamos trabalhando num banco de dados sobre cinema; na área de arquitetura está correndo um projeto de depoimentos dos grandes nomes do Brasil; em literatura recolhemos depoimentos dos principais produtores e escritores.

Quais são seus objetivos agora?
A conclusão do projeto “Referências, com a publicação das cronologias, é uma das metas. A informatização total de anuários e pesquisas é outra -mas precisamos conseguir mais computadores.

Por que você instituiu uma nova área no arquivo, a de pesquisa histórica?
A história fotográfica de um país está vinculada ao processo histórico. Muitas vezes se tem a idéia de que a imagem reflete um fragmento de mundo. Mas o importante é saber o que está além do fragmento, o antes e o depois, para compreender a foto. Isso se passa em todas as manifestações artísticas. Mas o problema maior com a imagem é que ela nos fascina e pensamos que ela expressa a realidade. Mas a história mostra que a imagem é fruto de uma sucessão interminável de montagens técnicas, estéticas e ideológicas.

Fonte:
BARROS, Luciana Cristina. O vigia da memória. Folha de S. Paulo, site, 01.10.1995, Revista da Folha, n.p. (acesso em: 04.01.2025) https://www1.folha.uol.com.br/fsp/1995/10/01/revista_da_folha/11.html