Galeria: artigo “De Sergio Milliet ao IDART”

De Sergio Milliet ao IDART.
Folha de S Paulo, 05.12.1976, Artes visuais, p.104.
editor Luiz Ernesto Machado Kawall
(texto integral, nossos negritos)

Terceiro de uma série de cinco artigos
com entrevistas e comentários.

São Paulo comemora o 10ª aniversário da morte de Sergio Milliet. Reconhecendo a grande importância da atuação de Sergio, para o desenvolvimento das artes plásticas, em São Paulo, Artes Visuais considera que a melhor homenagem a lhe ser prestada é a prova do desenvolvimento de seu trabalho pioneiro, iniciado na Biblioteca Municipal Mário de Andrade, com a colaboração da crítica de arte Maria Eugenia Franco, agora por ela continuado, com a criação do Departamento de Informação e Documentação Artísticas – IDART – na Secretaria Municipal de Cultura, de cujo projeto é autora e do qual é diretora geral.

– “Quando criou, na Biblioteca Municipal, a Seção de Arte, diz Maria Eugenia Franco, Sergio Milliet não planejou apenas uma biblioteca especializada. Naquela época, 1944, não existia, em São Paulo, nenhum Museu de Arte Moderna. Nem mesmo o Museu de Arte fora criado. Para estimular nossos artistas e iniciar um núcleo museológico, Sergio começou a comprar originais de artistas de São Paulo. Ninguém vendia nada. Sergio estabeleceu uma cota igual de valor, para todos, e começou a adquirir óleos, desenhos, gravuras e algumas esculturas. Esta atividade foi paralisada, a partir do surgimento dos Museus.” – “É projeto meu expor esta coleção, em conjunto, com as datas de tombamento das obras, como prova da atuação pioneira de Sergio Milliet, na área museológica de São Paulo”. – “Mas, nas artes plásticas, sua atuação não foi importante somente na Biblioteca. Como crítico de arte, estimulou artistas, orientou Salões de Arte Moderna e outras exposições. E foi ele o reformulador da Bienal de São Paulo. Sob sua direção, na 2ª, 3ª e 4ª Bienais, foram realizadas algumas das mais importantes manifestações nacionais e internacionais daquela Instituição.”

“No entanto, como o objetivo desta matéria é historiar o IDART, isto é ligar o início das realizações pioneiras de Sergio Milliet, na Biblioteca, com o trabalho atual, que estou desenvolvendo, na Secretaria Municipal de Cultura, é para mim uma questão ética e verdade histórica citar os nomes dos especialistas que consultei, ao elaborar o ante-projeto do IDART. Na área de patrimônio histórico, Luiz Saia, Nestor Goulart Reis Filho, Carlos Lemos, Hernani da Silva Bruno (sic) e Eduardo de Jesus Nascimento; para a Biblioteca de Arte, Maria Beatriz de Almeida, Laila Rahal, Yolanda Amadei, João Thomaz Ribeiro; sobre a Discoteca, Oneyda Alvarenga e Carmem Martins Helal. E a respeito do Centro de Pesquisas de Arte Brasileira, especialistas das várias disciplinas: Pietro Maria Bardi, Walter Zanini, Flávio Motta, Ernestina Karmann, Mário Gruber Correia, Wesley Duke Lee (Artes Plásticas), Décio Pignatari (Comunicação de Massa e Teoria da Informação), Alexandre Wollner e Fernando Lemos (Artes Gráficas), Paulo Emílio Sales Gomes e Rudá de Andrade (Cinema), Alfredo Mesquita, Décio de Almeida Prado, Miroel Silveira, Ilka Marinho Zanotto e Sábato Magaldi (Teatro). Esta reunião, realizada na casa de Alfredo Mesquita, tornou-se histórica, por dois motivos. Aí Sábato Magaldi tomou conhecimento do projeto, tendo portanto elementos para defendê-lo e apoiá-lo, quando se tornou Secretário Municipal de Cultura. E aí, também, ficou melhor definida a ação que teria a Associação Paulista de Críticos de Arte, junto à Câmara Municipal e o Prefeito Miguel Colasuonno. A atuação firme e brilhantíssima de Ilka Zanotto, como então presidente da APCA, acompanhada por Ernestina Karmann, a primeira a levar o problema à Associação, Helena Silveira, José da Veiga Oliveira e Eduardo de Jesus Nascimento prova a importância do apoio de entidades especializadas aos problemas de nossas instituições culturais.”

“Mais uma vez, quero repetir meu agradecimento, a Luiz Mendonça de Freitas, Secretário de Negócios Extraordinários do Prefeito Miguel Colasuonno, por ter sido o autor da lei que criou o IDART. E agradeço também o apoio do pintor Mario Gruber Correia, a favor do IDART, junto ao Governador Paulo Egydio Martins, que tão bem compreendeu nosso trabalho.”

-“Mas depois de ter ouvido os responsáveis pela montagem e implantação do Centro de Pesquisas do IDART, muito tem a contar, sinteticamente, cada um dos Supervisores das Assessorias Técnicas de Pesquisa, dirigindo equipes de especialistas, em dez áreas de disciplinas artísticas, que trabalham pela ‘preservação da memória nacional’, no campo das realizações de uma cidade de características tão definidas como São Paulo e a Grande São Paulo, ou seja, a arte nascida num centro industrial brasileiro. Narram eles a prova confortadora do início de um importante trabalho”.

Nota da R. – Por absoluta falta de espaço, Artes Visuais deixa de publicar, hoje, a súmula dos trabalhos dos supervisores do Centro de Pesquisas do IDART, o que faremos em próxima edição. AV publicou dia 31/10 uma página sobre o projeto e programas do IDART, com entrevista de Sábado Magaldi e Maria Eugenia Franco. Posteriormente, em 14/11, publicamos uma entrevista de Décio Pignatari, diretor do Centro de Pesquisas de Arte Brasileira do IDART.


Fonte:
De Sergio Milliet ao IDART. Folha de S. Paulo, 05.12.1976, Artes visuais, p.104.
https://acervo.folha.com.br/digital/leitor.do?numero=6055&anchor=4270672 (acesso para assinantes)

Idart 30 anos, apresentação

Texto da curadora Sonia Fontanezi para a mostra Idart 30 anos,
realizada no CCSP (12.05 a 05.08.2007).
Enviado por Maria Adelaide Pontes em 12.12.2024.

Os anos 1970 no Brasil, foram marcados também, pela riqueza dos caminhos culturais desenhados nos anos 50, quando São Paulo inicia sua conversa com o mundo, através do espírito modernista na Arquitetura, na Poesia Concreta, nas Artes Plásticas.

A diversidade dessa produção cultural nacional fez com que Maria Eugênia Franco, responsável então pela seção de arte da Biblioteca Mario de Andrade, idealizasse um projeto de criação para um centro, onde o foco principal seria a pesquisa da Arte Brasileira Contemporânea. Este projeto foi concretizado em 20 de maio de 1975, pela Lei 8252, com a criação do Departamento de Informação e Documentação Artísticas, instalado em janeiro de 1976 na chamada Casa da Marquesa, junto à Secretaria de Cultura. O IDART, cuja primeira diretora foi Mária Eugênia, absorveu a antiga Biblioteca de Arte da Biblioteca Mário de Andrade e a antiga Discoteca Municipal, inaugurando na cidade, um trabalho de pesquisa, vinculado à criação e à investigação artísticas, que viria a ser conhecido nacionalmente.

A viabilização desse Departamento é de autoria de Décio Pignatari, que também foi seu primeiro diretor. Um instrumento contemporâneo na época, que em sua gênese aponta para o futuro. Em 1975, êle previa a organização e recuperação não mecânica da informação. Desde 1963, Décio estuda a questão da linguagem através da semiótica e das teorias da informação e comunicação. Esse trabalho está em plena sicronia com sua obra.

É de 1973, seu poema Noosfera*, que para além de sua concretude poética, aponta também, para a hoje chamada telesfera (documentos disponíveis na Web). Hoje, a prática eletrônica do pensamento já se realizou no cotidiano – a ferramenta digital, já está incorporada ao nosso sistema de percepção, fazendo parte integrante da nossa forma de assimilar, investigar, interpretar e recriar o mundo.

Para Décio Pignatari, em 1975, a Hemeroteca e Arquivo Multimeios significou célula básica para o Núcleo de Recuperação da Informação – o Banco de Dados, visando a implantação de sistemas de recuperação digital, com um modelo de documentação contínua, por 20 anos ao longo do tempo. Este trabalho continua sendo feito em bases semi-artesanais, tentando manter viva a informação ali depositada, ao longo do tempo, em sua diversificação de técnicas suportes e linguagens.

O Centro de Pesquisas foi em 1976 uma novidade institucional e cultural, que São Paulo apresentou. Os caminhos ali apontados e os possíveis percursos continuam sendo únicos.

O acervo do IDART se configura hoje como produto de 32 anos de pesquisa e documentação, construído na relação e confronto entre a natureza do objeto analisado e sua relação com a natureza do instrumento de leitura, gerados pelo próprio objeto e sua compreensão. Com reconhecimento ou recusa deste princípio, o trabalho se realizou ao longo do tempo e sua importância se legitimou e é única.

A forma de seleção e organizaçãp do material para esta mostra surge da grande quantidade de documentos armazenados neste Acervo. Como toda quantidade, instiga o crivo para a qualidade. Apresentamos o material em diferentes suportes, para que os documentos se mostrem em sua singularidade e diversidade, dispostos em linha do tempo, um fio condutor que permite foco nos objetos, e ao mesmo tempo propicia relações entre êles.

A disposição simultânea, visa uma espécie de mostruário, apontando para uma possível tipologia. Depois de conviverem separados por área de conhecimento por tanto tempo, nós os devolvemos ao espaço público de exposição, na situação em que foram coletados, retiramos dêles o confinamento para que tambén se relacionem entre si, nesta mostra.

Todos os profissionais do atual Arquivo Multimeios do CCSP, participaram ativamente da seleção dos documentos mais significativos em suas áreas de especialização, assim como do projeto e da produção desta mostra.

Desde o primeiro momento, impôs-se como uma grande citação e homenagem, a visualidade das edições do Laboratório Gráfico do Idart, que impõe sua atualidade em relação aos meios de produção atuais. Sua personalidade gráfica foi delineada por Cláudio Ferlauto, Décio Pignatari e Fernando Lemos, em 1975. Desenvolvida e aplicada pelo próprio Fernando , até 1978. Para essa vestimenta, nos permitimos algumas licenças que o tempo, a tecnologia e as condições de produção impõem, ou permitem.

Esta mostra é portanto esse mostruário aberto , um testemunho e um registro discreto, do pensamento e do fazer cotidiano de profissionais que, ao longo de 32 anos, seja qual for o vínculo com o Idart, ou sua intensidade, dedicaram a intregridade do seu trabalho ao projeto e tornaram possível este Acervo e o seu futuro.

Nós nos incluímos entre êles.

São Paulo, maio de 2007