Agradecimentos: Renata Garbellini (escaneamento)
Fotografia e cidade são temas
associados desde os primeiros momentos da nova técnica (1).
A produção resultante tem refletido e atuado na
constituição de um imaginário urbano de uma
complexidade crescente, tendo em vista o perfil dessas sociedades
e a gradativa expansão dos meios de comunicação.
Nesse ângulo, a revista S.PAULO constitui oportunidade rara
para o debate de temas ligados à representação
da cidade. Não só por permitir a reflexão
sobre a imagem fotográfica impressa, mas pela sua inserção
num momento de agitação no quadro político,
de modernização da máquina do Estado e da
presença crescente de mídias como a imprensa diária,
as revistas ilustradas, o cinema e o rádio.
A revista S.PAULO, periódico mensal
lançado em 31.12.1935, procurará retratar, através
dos dez números editados, o "desenvolvimento"
do estado na gestão do governador Armando Salles de Oliveira.
Sua equipe de redação é composta por Cassiano
Ricardo (1895-1974), Menotti del Picchia (1892-1988) e Leven Vampré,
os dois primeiros ligados ao campo literário, além
da larga experiência na imprensa. Revista de grande formato
(44 x 30 cm, 24 páginas), impressa em rotogravura, permitindo
assim uma qualidade de reprodução de imagens fotográficas
superior à média da imprensa, destaca-se de imediato
por privilegiar a imagem sobre o texto. Primeira revista paulistana
em roto, como proclama Menotti, impressa nas oficinas de Romiti
e Lanzara, só tem par na imprensa diária em casos
como o SUPLEMENTO EM ROTOGRAVURA, distribuído quinzenalmente
entre 1930 e 1944 pelo jornal O ESTADO DE S.PAULO, exemplo seguido
pelo DIÁRIO DE S.PAULO. Procuram, certamente, fazer frente
à concorrência representada pelas revistas ilustradas
como A CIGARRA ou FON-FON, para citar exemplos editados nas duas
principais cidades do país a partir da década de
1910. Concorrência segmentada, pois voltada para a cobertura
dos eventos sociais, festas e inaugurações, momentos
máximos de lazer e representação, de exibição
social. A diferença do produto final, contudo, é
flagrante. Embora os suplementos valorizem as fotografias, inclusive
com imagens ocupando em profusão a quase totalidade das
páginas, falta um projeto gráfico que articule o
novo potencial. É esse um dos diferenciais adotados pela
revista S.PAULO.
O público parece corresponder
de imediato. "Posto à venda o primeiro fascículo,
numa edição de 40.000 exemplares (cifra enorme na
época), a revista São Paulo esgotou-se em
menos de uma semana.", segundo Cassiano Ricardo (2). O CORREIO
PAULISTANO, jornal ligado ao PRP, traz apenas uma pequena nota,
em 01.01.36, sobre o lançamento; porém, no dia seguinte,
anúncio no DIÁRIO DA NOITE informará: "Já
está à venda a segunda tiragem da 'S.Paulo'."
Significativo é o artigo de Belmonte (Benedito Bastos Barreto,1896-1947), sem data, localizado junto à documentação pessoal de Benedito Duarte (3), um dos fotógrafos do periódico. Comentando o conjunto de revistas disponíveis, entre elas CIGARRA, de Gelasio Pimenta, VIDA MODERNA, NOVÍSSIMA, outro empreendimento com a participação de Cassiano Ricardo, e a REVISTA DO BRASIL, de Monteiro Lobato, o articulista lamenta a predominância de publicações voltadas para o colunismo social.
"Faltava-nos a revista-cinema: aquella,
que, ao en vez de nos dizer ao ouvido, infindavelmente, uma longa
serie de factos e conhecimentos, erguesse simplesmente o braço
e nos apontasse tudo isso. Nós queriamos 'ver para crer',
isto é queriamos ser homens do nosso século, folheando
uma revista como se estivéssemos assistindo a um film cinematográfico./
Foi então que surgiu 'S.Paulo'/ Prodigio do genio paulista,
'S.Paulo' não conversa fiado, nem perde tempo em contar:
mostra./Mas não mostra como um cicerone enfastiado que,
de dedo hirto, acaba por tornar-se enfadonho a custa de repetir-se.
Mostra como uma tela cinematographica, da maneira mais clara,
mais artística, mais convincente possível, num prodigio
de syntheses que tem sido a causa essencial do seu indiscutivel
successo."
Mas se a revista é
um produto
diferenciado graficamente, é necessário ainda caracterizar
o mensário - "orgam documental das realizações
paulistas", sua divisa - como instrumento de propaganda política.
Cassiano e Menotti indicam em seus livros de memórias o
papel do governador Armando Salles. Cassiano fora auxiliar de
gabinete, depois seu secretário, e provavelmente deve ter
contribuído para o interesse crescente do governador na
organização de um serviço de propaganda oficial (4).
Até onde vai essa participação de Armando
Salles? Difícil responder com precisão. Os exemplares
não trazem identificações indicando uma participação
direta da máquina estatal, mas a modernização
administrativa e a atuação do Estado são
alguns dos eixos temáticos da revista. Textos de Armando
Salles, sujeitos em menor grau à subordinação
às imagens, são presenças constantes. Governador
eleito, Armando provavelmente deve estar consciente do papel da
publicação para uma eventual candidatura à
presidência, o que fará no ano seguinte através
de coligação de partidos. A fronteira entre ser
um veículo de propaganda de Estado ou partidária
permanecerá nebulosa. O fato da revista S.PAULO ser vendida,
avulsa ou via assinatura, nada esclarece, pois a prática
de filiação de jornais a partidos regionais era
usual (5). O que importa é que o periódico constitui
um dos primeiros veículos de propaganda política
com uma roupagem modernizadora.
O PROJETO GRÁFICO
Apontar como diferencial ou traço
distintivo da revista S.PAULO (6), a presença da fotomontagem
significa reduzir seu valor enquanto contribuição
original para a imprensa, dentro do quadro local. Cassiano,
Benedito e Menotti destacam a presença do recurso, porém
o projeto gráfico é mais expressivo e complexo.
Para caracterizá-lo é possível apontar, num
primeiro nível: (A) a inversão da relação
texto e imagem, na qual o primeiro tem sua presença reduzida
a ponto de ser interpretado como legenda ou mero título
dos artigos; (B) a dissolução do próprio
artigo, motivada em parte pelo uso pleno da imagem vazada e por
um pauta editorial restrita. Quanto a procedimentos gráficos
rotineiros, predominam: (1) o uso de grades flexíveis,
destacando a presença de vinhetas, tanto as de contorno
para melhor compreensão do resultado final, suprindo deficiências
gráficas, como vinhetas ordenadoras, que articulam fotos
isoladas, chegando a dividí-las, rompendo o estatuto de
autonomia de cada imagem; (2) a diagramação em páginas
duplas e a utilização frequente de páginas
triplas, com dobras, introduzindo, digamos assim, a "página
cartaz"; (3) a manipulação do texto enquanto
objeto visual, através do uso simultâneo de dois
ou mais alfabetos, letras cursivas junto a fontes tradicionais,
textos vazados em oposições negativo/positivo; e
(4) o recurso da montagem. (il. 1) (il. 2)
(1) Exemplos de vinheta (n.1, jan.1936).
|
A fotomontagem não constitui,
então, uma novidade no contexto paulistano. Valério
Vieira (1862-1941) a utiliza em seus cartões de Boas Festas
e em retratos bouquet, na virada do século. Além,
é claro, da premiada imagem "Os 30 Valérios",
de 1901. Sempre explorando, com humor, uma vertente entre o surreal
e o pitoresco. As revistas ilustradas, por sua vez, fazem uso
corriqueiro desde os anos 10 de páginas, em que dezenas
de flagrantes se articulam em arranjos como cornucópias
sociais (7). A imagem caleidoscópica dessa sociedade ofertada
aos leitores - que se identificam, que se reconhecem - é
também uma forma de barateamento de custos gráficos.
Enquanto recurso artístico, a fotomontagem assim se apresentará
apenas através da publicação do livro A pintura
em pânico do escritor Jorge de Lima (1893-1953), editado
em 1943, reunindo algumas obras já comentadas quatro anos
antes por Mário de Andrade.
A edição de imagem, impropriamente
identificada pelas fotomontagens, segue um padrão ambíguo.
A estrutura é sempre voltada para um resultado de apreensão
naturalista. Lá estão o primeiro e o segundo planos,
usados na elaboração de uma "moldura"
ou sobrepondo um elemento de maior valor visual a imagens secundárias.
Nesse momento, observa-se que essa justaposição
quase nunca é natural. Os elementos possuem tamanhos inadequados,
díspares. As articulações obedecem estritamente
à necessidade de leitura do conjunto. Anti-naturalistas
ao extremo, nos atraem por artimanhas ilusionistas. Nesse aspecto,
abusam do uso de perspectivas duplas. A capa da oitava edição
é um bom exemplo. A paisagem de fundo para o ginasta, escolhida
como testemunho de seu feito, é a própria cidade,
vista porém de uma tomada aérea. Assim, os conjuntos
recorrem sistematicamente a imagens em plongé e
contra-plongé, em composições naturalistas,
"neutralizando" em parte esta exacerbação
da verticalidade, com a utilização de elementos
em primeiríssimo plano que orientam o olhar do leitor.
(il. 3) (il. 4)
(3) Ilusionismo 'anti-naturalista': uso de imagens em 'negativo'. | (4)O atleta e a cidade: capa do n.8 (ago.1936). |
É necessário ainda aproximar
o conjunto visual da revista ao cinema, em especial aos panoramas
urbanos sinfônicos produzidos internacionalmente durante
os anos 20 e 30. No contexto local, o filme SÃO PAULO,
A SINFONIA DA METRÓPOLE (1929), de Adalberto Kemeny e Rodolfo
Rex Lustig (8), apresenta afinidades no tratamento da imagem urbana.
Nas seqüências de abertura e conclusão, que
delimitam blocos mais convencionais, reconhecem-se essas preocupações
na tentativa de elaborar um painel facetado e dinâmico,
utilizando-se de truques como sobreposição ou duplicação
de imagens. Essa aproximação é facilitada
pelo fato do projeto gráfico da revista - destacando a
imagem sobre o texto e dissolvendo, assim, os limites entre os
artigos - gerar uma massa visual única. Entende-se assim
a reação positiva de Belmonte: "Faltava-nos
a revista-cinema...".
A autoria do projeto gráfico da
revista S.PAULO é uma incógnita, que dificulta a
definição de vínculos com outras publicações.
A seção de Expediente não indica um responsável,
embora, fugindo ao usual, credite as imagens, seja as produzidas
pela equipe constituída por Benedito Junqueira Duarte (1910-1995)
e Theodor Preising (1883-1962), seja as contribuições
ocasionais. Os livros de memórias de Cassiano, Menotti
e Benedito mencionam a presença de Livio Abramo (1903-1992)
como ilustrador da revista. Apenas o primeiro, identifica-o como
"mestre da gravura, da fotomontagem e das estatísticas
ilustradas a rigor..." (9). No entanto, não há
sinais evidentes de que responda pelo projeto como um todo. B.J.Duarte
aponta como contribuição pessoal para o resultado
final a convivência informal durante os anos 20 com o diversificado
panorama fotográfico parisiense, onde atua como jovem aprendiz
no estabelecimento do fotógrafo Reutlinger. Duarte comenta
ainda o possível contato de Cassiano e Menotti com as fotomontagens
dadaístas, ao reconhecerem que a montagem "era realmente
uma nova poesia, novos tempos da poesia" (10).
QUAL CIDADE ?
Embora voltada para a difusão das atividades do Estado, enfatizando a presença de um máquina administrativa "moderna", a revista S.PAULO não deixa de centrar sua atenção sobre a cidade enquanto símbolo. E a capital paulista ocupará a quase totalidade dessas inserções. Mas qual cidade se apresenta ao leitor? Quais os elementos de maior ocorrência?
Porém, o bandeirante é a única imagem, de valor tradicional, recorrente. A cidade por ele observada nesta primeira capa não é com precisão a urbe imaginária articulada pela revista. A indústria será um elemento ausente. A cidade articulada é fundamentalmente um espaço de socialização e não de produção. As massas que ocupam as imagens são as presentes em manifestações políticas como desfiles, eventos públicos como o carnaval com 'apoio oficial' e, especialmente, as associadas à presença do Estado. Seja através de sua atuação na área de ensino primário, seja na formação de mão de obra para a agricultura. (il. 6) |
(6)Multidão e presença do Estado (n.3, mar.1936). |
Se o corpo da cidade pode ser figurado por suas instituições e as multidões como objeto de sua ordenação, outro símbolo recorrente na publicação são os edifícios. Mais do que isso, são os edifícios em obras: a construção. Desde o primeiro número, a imagem inicial é formada por obras de engenharia civil. A figura "edifício em obra" foge, em parte, da esfera da obra pública; são antes de mais nada prédios de apartamentos. Embora a verticalidade seja um aspecto importante associado à cidade - como explicita a montagem com arranha-céus inclusa no numero 1 sob o título "O sentido paulista da vida brasileira quer dizer: organização" - é o fato da construção, o que melhor expressa o projeto político da revista, o de edificação de um símbolo para o "caráter empreendedor". (il. 7) (il. 8)
(7)"Sentido paulista da vida brasileira" (n.1, jan.1936). | (8)"3 casas por hora!" (n.1, jan.1936). |
Uma síntese verbal dessa construção
pode ser encontrada num dos raros textos assinados: o "Canto
da Raça" de Cassiano Ricardo (n.6). Domina o poema
o sentido de natureza controlada e a identificação
da cidade com um organismo. O espaço urbano é identificado
explicitamente como universo do trabalho; porém o operário
e a indústria são elementos subordinados na narrativa
ao caleidoscópio sensorial. O poema prossegue: "...
em vez de subir a montanha e de manchar a mão na tinta
azul do céo a gente sobe a um trigesimo andar e colabóra
na batalha violenta e sonora que é São Paulo construindo
tres casas por hora!" O "Canto da Raça"
ecoa aqui alguns dos motes simbólicos sobre a capital,
utilizados pela revista, ao comentar seus "edifícios
modernos": o de "maior centro industrial da A.Latina",
o de ser uma das 28 cidades do mundo com mais de um milhão
de habitantes e o seu fabuloso ritmo de crescimento.
O símbolo da indústria
não é, porém, omitido rigorosamente do painel
urbano elaborado pela revista. Todos os números a mencionam:
a maior indústria agrícola do mundo! É o
café, o algodão. Mas de modo algum enquanto atividade
de beneficiamento, apenas como produto primário de exportação.
A máquina, associada às ferrovias e ao porto, surge
com destaque, utilizando-se de construções visuais
que as aproximam ao repertório usualmente aplicado à
grande indústria. Apenas uma exceção ocorre
em artigo sobre a fábrica de cimento Votorantim (n.8),
embora a montagem a neutralize ao associar o gigantesco forno
a uma via direta entre a coleta de matéria prima e o produto
ensacado. Se a indústria é um elemento ausente,
o operário surge apenas como objeto da ação
dos serviços de apoio e ensino do Estado. São seus
filhos, porém, que os representam. Quando muito, por extensão,
são visíveis os trabalhadores do setor de construção
civil, excetuando-se aqueles ligados à agricultura e ao
trabalho nos portos. Neste último caso, o homem surge diretamente
como subordinado às máquinas: guindastes e roldanas
de grandes dimensões.
O repertório visual da revista
S.PAULO aproxima-se em alguns pontos ao conjunto de elementos
urbanos valorizados por parte de grupos intelectuais da década
de 20 como a velocidade e o burburinho urbano. Além da
exaltação ao cinema, expressa pelo projeto gráfico
em si, a revista chega a incorporar formas visuais urbanas como
os cartazes ao adotar a diagramação em páginas
duplas e triplas. Por outro lado, parece deslocar o interesse
pela máquina, enquanto presença tecnológica
no cotidiano, para formas mais explícitas como a ferrovia.
E, por derivação extrema, adere à própria
imagem de máquina do Estado.
Estes procedimentos em relação
à máquina e, por associação, à
indústria podem ser justificados, num primeiro julgamento,
pelo projeto político do empreendimento. Membros da
redação da revista bem como o governador eram ligados
ao Partido Democrático, e, posteriormente, ao Partido Constitucionalista,
através do qual Armando Salles fora eleito. Vavy Borges
registra em seu estudo, já mencionado, o caráter
"anti-industrial" do Partido Democrático, formado
por grupos econômicos ligados ao café. Isso talvez
explique a concepção da cidade como espaço
de socialização, local do aparelho estatal. Espaço
harmônico, sem contradições, como a revista
o apresenta.
PAISAGEM E DOCUMENTAÇÃO URBANA
Quanto à questão da representação
visual da cidade, a revista S.PAULO posiciona-se entre dois momentos
significativos na produção iconográfica local
na primeira metade do século. Significativos no campo da
fotografia e, por associação, da imagem impressa,
estes acontecimentos se articulam ao redor de marcos simbólicos:
o primeiro, antecedendo ao centenário da Independência,
e o segundo, aos quatrocentos anos da "metrópole".
O período, entre 1900 e 1920,
distingue-se pela formação de um corpus visual
sobre a cidade. Destaca-se nesse contexto a iniciativa do então
prefeito Washington Luiz em reunir uma iconografia dispersa, produzida
a partir do último quartel do século XIX. A organização
desse conjunto de imagens, cuja recuperação ignorou
os produtores e usos originais, vai privilegiar a vertente comparativa
no seu uso documental. Essa constituição de uma
visão urbana em profundidade temporal tem como fundo o
auge da popularidade do postal, suporte que destaca a imagem congelada
dos marcos e não o uso social, de modo mais amplo, do espaço
urbano. Ambas atuarão, com sistemáticas não
necessariamente idênticas, segundo um processo de identificação
entre marcos oficiais e a própria noção de
cidade.
Considerando a valorização
de alguns símbolos urbanos nesse momento - como a velocidade,
o burburinho, a presença da máquina, o cinema, o
telégrafo - o reagrupamento historicizante parece manter
uma sintonia enviesada ao revelar pelo confronto de imagens uma
aceleração no processo de substituição,
de renovação. Representando um tecido urbano banido
por uma substituição voraz e completa, essas fotos,
que opõem paisagens que não se encaixam, parecem
flertar abertamente com esse ícone moderno, a velocidade,
através do choque, da comparação paradoxal,
enfim um processo de aceleração interna do conjunto
visual resultante.
Ainda no campo documental, apenas os
álbuns impressos produzidos em função do
centenário da Independência abrigam um corpo visual
diretamente voltado ao registro contemporâneo, traçando
um perfil não só das atividades fabris e comerciais,
mas da cidade e seus habitantes. Álbuns de propagandas,
antes de mais nada, estes conjuntos revestem-se de uma função
simbólica clara, mas de resultado precário, ao reunir
quase sempre fotografias veiculadas em postais e retratos de procedências
diversas. Não ocorrem no período tentativas de registrar
a paisagem social da cidade, enquanto projeto articulado. Raras
exceções podem ser apontadas, como o álbum
O ESTADO DE SÃO PAULO, organizado pela Société
de Publicité Sud-américaine, Monte Domecq &
Cia (Barcelona, 1918), no qual é nítida a intenção
de traçar um perfil visual dos grupos dirigentes, seja
no ambiente de trabalho e nos momentos de lazer coletivo, seja
no recato do lar.
Por outro lado, a produção
de paisagem, na fotografia local, parece manter uma presença
secundária, até o momento. Além da iniciativa
dos grandes panoramas realizados por Valério Vieira entre
1905 e 1922 e as raras manifestações fotoclubísticas
conhecidas, próximas à vertente pictorialista, a
paisagem não constitui, segundo a historiografia, um corpo
iconográfico de importância. Os estudos históricos
após os anos 60 parecem contaminados em parte pelas fontes,
que procuravam destacar o surgimento de uma produção
mais atualizada em detrimento de práticas anteriores. Com
o pictorialismo, tendência dominante até os anos
30, jogou-se fora a produção de paisagem. O resgate
desse conjunto, que passa pela recuperação das revistas
especializadas em fotografia editadas no período, poderá
revelar aspectos valiosos para o estudo do imaginário urbano
e deverá posicionar adequadamente iniciativas como os grandes
panoramas de Valério quanto ao estatuto artístico
investido.
No outro extremo, a revista S.PAULO antecede
o grande conjunto de produções visuais gerado ao
redor do anos 50, unidas pela motivação dos festejos
do IV Centenário. Recorte sincrônico, em oposição,
à visão em perspectiva do momento anterior, essas
publicações recuperam a possibilidade do gênero
paisagem. Porém, sem o alcance que a experiência
gráfica da revista S.PAULO introduziu ao romper a relação
texto/imagem e "corromper" o estatuto de autonomia da
imagem impressa. Situada entre esses dois momentos, a revista
representa uma etapa relevante na produção visual
sobre a cidade. Exarcerba a paisagem enquanto processo simbólico
e submete-se a um projeto gráfico, cuja continuidade estava
comprometida por suas características originais. O esgotamento
do formato, porém, torna-se visível, agravado possivelmente
pela restrita pauta de assuntos e a evidente associação
da revista ao movimento da 'Bandeira'.
A revista S.PAULO é uma entre
várias manifestações a justificar a ampliação
dos estudos sobre o par fotografia e cidade. Seja sobre a "fotografia
de paisagem", seja sobre a "documentação
fotográfica urbana", dualidade de interpretação
de que devem dar conta. Essas análises necessitam abordar
com igual atenção a caracterização
dos diversos circuitos de produção e consumo presentes
na produção fotográfica local e a identificação
do intercâmbio de elementos entre eles e entre os demais
mídia visuais. Questionar os estatutos adotados nos diferentes
períodos para produção e uso das imagens
da cidade é uma etapa fundamental para a história
da fotografia local e a compreensão das vias formativas
do imaginário urbano da metrópole.
Volta!