Ricardo Mendes (24.12.96) |
A presença de movimentos gerenciados por artistas no campo da fotografia na cidade de São Paulo, embora extensa, não
recebeu uma avaliação específica. A partir das discussões e painéis sobre a experiência
canadense apresentados no curso em questão, ficou evidente a necessidade de avaliação do panorama paulistano.
A análise desses movimentos tem como período de destaque o que sucede ao final da década de 60. O ensaio
pretende traçar um pequeno painel de cada manifestação, etapa preliminar para um desdobramento mais detalhado e um tratamento
severo dos fatos.
Embora os anos 60 e 70 caracterizem-se por uma grande expansão da estrutura nos diversos campos de fotografia comercial, industrial
e fotojornalismo, a presença de eventos na área cultural estiveram restritas a 'espaços oficiais da cultura'
ou a um 'circuito' específico criado pela comunidade como os Salões Internacionais de Fotografia promovidos
pelo Foto Cine Clube Bandeirante.
Quanto ao mercado de arte, em expansão na cidade de São Paulo no início dos anos 70, acompanhando o 'milagre econômico',
as tentativas de entrada de obras em suporte fotográfico não tiveram um sucesso que permitisse estabelecer um fluxo.
No entanto, o panorama fotográfico local começava a sentir os efeitos de uma complexa matriz de vetores. No contexto
internacional, ocorre um questionamento de suportes tradicionais, ganhando espaço novos procedimentos como a arte conceitual
e o happening. Nos EUA, em especial, procura-se estabelecer um mercado de arte para a fotografia, apropriando-se de modalidades
mercadológicas partilhadas pelas artes tradicionais, ao mesmo tempo que o suporte fotográfico surge associado à
produção conceitual. Assim, dois vetores convivem: uma inserção de mercado para a produção
fotográfica 'expressiva' e a apropriação pelos produtores de artes plásticas do novo mídia
e seu uso em obras centradas sobre a mixagem de meios.
No contexto brasileiro, no caso específico em São Paulo, essas ocorrências surgem refletidas, com distorções
e particularidades locais. O quadro econômico brasileiro apresenta expansão (até meados dos anos 70) com
o crescimento da classe média e uma diversificação nas ofertas de consumo de bens. O mercado de arte acompanha esse
movimento com o surgimento de novas galerias adotando esquemas comerciais mais complexos com inserção nas mídias
impressas e televisiva. Datam desse período a abertura de novas instituições destinadas ao trabalho com
suporte em multimeios: filme, som e fotografia. Em 1970, surge o MIS - Museu da Imagem e do Som; em 1975, é aberto o IDART,
órgão da Secretaria Municipal de Cultura. Ambos atuam na área de documentação, pesquisa e
difusão da memória, valorizando novos suportes de registro.
Movimentos gerenciados por artistas
A prática de associações de artistas voltadas para debate, produção, ensino e difusão
de obras não é estranha à fotografia. A proposta do fotoclube foi adotada no quadro internacional na década
de 1860, tendo surgido as primeiras iniciativas no Brasil na virada do século. Em São Paulo, o período de 1900
a 1940 convive com várias iniciativas de menor porte e continuidade, embora inicialmente esses empreendimentos tenham
obtido uma boa recepção permitindo desdobramentos como o lançamento de revistas especializadas.
Este texto não abordará, porém, as atividades dos fotoclubes enquanto artist-run movements. A presença
de fenômenos como o Foto Cine Clube Bandeirante nos anos 40 e 50 mereceria um trabalho específico sobre esta ótica,
em especial pela recepção na área cultural dos eventos e cursos promovidos. A partir dos anos 60 a participação
deste e outros fotoclubes mais recentes decai enquanto veículo de difusão de fotografia na cidade, passando a ser associados
a um academicismo. Ao mesmo tempo, o panorama da fotografia profissional (comercial, industrial, fotojornalismo) expande-se.
Outra manifestação que não será tratada no ensaio são as agências de fotojornalismo gerenciadas
por fotógrafos. Ao final dos anos 70, com a experiência da F-4, que reuniu fotógrafos como Nair Benedicto e Juca
Martins, surgem iniciativas similares que procuravam estabelecer um novo padrão de trabalho para os profissionais do setor,
a garantia de seus direitos autorais e maior liberdade de desenvolvimento de projetos, com destaque para a documentação da
situação socio-econômica do país. Embora algumas agências tenham investido na produção
editorial e realizado exposições regulares, acreditamos que esses eventos mantiveram-se restritos à área
jornalística, sem reflexos diretos no circuito institucional de cultura. É necessário ressaltar a presença
nos vários casos aqui analisados de profissionais ligados a essas agências.
Outras associações mais orientadas à representação de classe e de caráter sindical, como o SEAFESP (Sindicato
das Empresas de Artes Fotográficas) e a ABRAFOTO (Associação Brasileira de Fotografia Publicitária), apesar de gerenciamento
de eventos como seminários e exposições, não apresentaram projetos sistemáticos de atuação
cultural, mantendo-se restritas a questões trabalhistas.
Os diversos grupos que serão comentados neste ensaio apresentam objetivos diversos. Todos porém buscam uma inserção
da fotografia no campo cultural de modo mais amplo e continuado. Os objetivos, ao longo do período - 1970 a 1996, tenderão
a substituir um enfoque inicial voltado para a definição de um espaço comercial para fotografia no mercado de arte,
por um questionamento desse mercado de arte ou a difusão mais consistente de idéias e produção.
Auto-representação
Uma consideração inicial é necessária sobre a questão de auto-representação e institucionalização
dos movimentos gerenciados por artistas presentes no período.
Os grupos de artistas responsáveis por esses movimentos caracterizam-se por uma relativa falta de vínculos entre
as diversas iniciativas ao longo do tempo. Esse discontinuidade reflete mais uma falta de tradição, de memória
artística, motivadas em parte pelo isolamento entre os diversos grupos produtores e pela ausência de uma crítica
e uma memória documental.
De forma resumida, é necessário destacar que essas manifestações na sua maior parte não procuraram
apresentar-se como autônomas do circuito institucional cultural ou distantes do suporte oficial. Emboras com propósitos
diversos ao longo das duas décadas, evitaram tanto a posição de confronto como a de absorção. O uso, por exemplo,
de verbas ou espaços oficiais por esses grupos não permitem caracterizar uma institucionalização, uma
oficialização, mas um trabalho de complementaridade.
Caberia a uma pesquisa mais extensiva avaliar esses manifestações no tocante à inserção institucional, seus
objetivos e resultados. Excetuando-se dois dos casos analisados, nenhum dos grupos procurou estabelecer uma constituição
jurídica. Consequentemente, não geraram espaços permanentes ou um mecanismo associativo aberto que permitisse
a continuidade a médio prazo.
Dentro desse quadro, discutir uma crise da representação dos mecanismos oficiais requer uma atenção desdobrada.
A questão de auto-representação é apresentada, mas dentro de uma área de ação
- digamos - para-oficial. Considerando que os setores institucionais governamentais para área cultural são relativamente
recentes como entidades autônomas, a crise da representação coincide no panorama brasileiro com a criação desses
mecanismos. Compreende-se em parte a falta de um confronto direto com esses setores, cuja direção contava muitas vezes
com produtores reconhecidos pela comunidade profissional, quando não de representantes de suas associações.
Se em alguns casos como a Comissão Estadual de Cinema (SEC) a experiência apresentou pontos positivos, em outros como
a Comissão Estadual de Fotografia e Artes Aplicadas mal houve tempo de estabelecer uma política de estímulo
para o setor.
Porém a crise da representação, dos sistemas formais de mediação governo-cidadão, apresenta-se
no quadro paulistano sob este ângulo híbrido (o 'novo velho'). As manifestações gerenciadas por artistas
em fotografia parecem superar iniciativas locais em outros campos expressivos não só na quantidade de ocorrências
e na sua extensão, mas na forma de relacionamento entre produtores e esfera oficial.
Precedentes - Anos 70
Talvez um dos marcos referenciais para avaliar os movimentos gerenciados por artistas em São Paulo, em qualquer segmento, seja o
Evento Fim de Década, realizado na Praça da Sé em dezembro de 1979. Com uma programação
voltada para teatro, perfomances e música, a iniciativa reuniu uma geração de novos produtores culturais,
dando uma visibilidade central (inclusive literalmente enquanto espaço urbano) a movimentos alternativos nascidos no final
daquela década. O movimento independente, denominação usual em teatro e música, é uma das marcas do período,
procurando estabelecer novas relações de produção e proposições artísticas.
Em fotografia, o quadro institucional apresentava dimensões mínimas de atuação. A presença do
MIS, aberto em 1970, não era suficiente para atender uma demanda diversificada. O mercado de arte excluía praticamente
a fotografia. Surgem assim alguns espaços expositivos associados a escolas como a Enfoco (1971) e Imagem-Ação (1976c.).
Os mecanismos usuais de ensino e associação como os fotoclubes apresentam-se em decadência, associados com
uma produção vista como 'acadêmica'. Entre os museus, a iniciativa do Museu Lasar Segall é única
ao final da década de 1970. Cursos básicos com o uso de câmeras buraco-de-agulhas, um plantão fotográfico
com laboratório aberto mediante associação e o desenvolvimento de trabalhos junto a bairros populares na
região da Vila Mariana caracterizam um projeto que visa democratizar o acesso à fotografia. Posição
expressa por seu diretor Maurício Segall no catálogo da exposição Fotografia e Documentação:
o trabalho de Herman Graeser (1981).
O perfil dos novos fotógrafos, dos ingressantes no setor durante os anos 70, indica algumas mudanças como a formação
universitária, a maior presença de mulheres e a 'busca ativa' por informação no recente circuito
institucional voltado para fotografia. O crescente número de ofertas de eventos convive e encobre uma fraca vinculação
entre os agentes, a falta de pólos de agregação contínua como escolas ou uma produção editorial
diversificada. Ao mesmo tempo, com exceção do ambiente fotoclubístico, os pólos de difusão, embora
concentrados, não apresentam projetos estruturados fechados. Em resumo, os eventos apresentam-se desarticulados em demasia
para permitir a presença de grupos isolados.
O campo de fotografia, apesar da extensão e diversidade de produção nos anos 70, parece à primeira
vista um segmento fragmentado com uma produção irregular.
Nesse quadro, é importante ressaltar que iniciativas no campo de artes plásticas podem ter contribuído para
uma inseminação de novas vertentes entre uma nova geração em fotografia. Falamos expressamente de
eventos como os JAC - Jovem Arte Contemporânea, programações realizadas pelo MAC-Museu de Arte Contemporânea da USP.
A presença de obras em técnicas mistas, essa experiência em multimeios, representa uma passagem relevante para parte dos
produtores que atuarão no circuito institucional cultural na década seguinte.
Em 1973, surge o Movimento Fotogaleria que levanta questões como inserção no mercado de arte e direitos autorais.
Única manifestação no período com vínculos na cidade do Rio de Janeiro, o Movimento tem entre
seus principais articuladores Boris Kossoy, cuja coluna no Suplemento Literário no jornal O Estado de S.Paulo, entre 1972
e 1974, constituía então uma referência para os interessados em fotografia e história da fotografia
em especial. No Rio de Janeiro, o contato era representado por George Racz, permitindo assim contato com o trabalho da galeria
cooperativada Photogaleria.
O evento serviu como aglutinador para profissionais e participantes de diversos campos da fotografia em São Paulo como Hans
Gunter Flieg, Stefania Bril, Madalena Schwartz, Raul Eitelberg... Em marco de 1974, os participantes realizam coletiva na Galeria
Alberto Bonfiglioli (Rua Augusta n.2995).
Na Universidade de São Paulo, surgem na primeira metade dos anos 70 alguns pontos de ensino e discussão sobre fotografia como o Biênio, junto ao prédio da Escola Politécnica, que fornecia cursos e, mediante associação paga, permitia acesso a laboratórios. Alguns nomes com destaque nos anos 80, em ensino e fotografia industrial, participam dessa atividade como João Musa e Raul Garcez. No prédio de História e Geografia, surge ao mesmo tempo outro grupamento a partir de cursos, que contam com a participação de Moracy de Oliveira, um dos jornalistas especializados com destaque no final da década. Em 1975, o encontro desses diversos focos levou à realização da PHOTO USP, grande exposição coletiva. Registrada no número 70 da revista Novidades Fotóptica (s.d.), o sumário texto intitulado Gente nossa gente nossa gente revela o fundo de ação:
Coletivas e exposições pessoais têm mostrado a produção fotográfica dos universitários.
O Movimento Photo USP, formado por gente ligada à Universidade, está descobrindo um campo fértil para se expressar.
E, por outro lado, a fotografia está encontrando novos fotógrafos, novas mensagens. Se, no meio profissional e
amador, tudo parece tranqüilo, sem muita novidade, a expressão universitária faz algumas revelações. O que
está preocupando mais seriamente esse fotógrafo é a descoberta da realidade brasileira. Crianças,
povo, ambientes sociais e seqüências inusitadas do cotidiano são os temas de uma extensa produção.
Seguindo o modelo de encontros internacionais, com destaque para Rencontres Internationales d´'Arles com o enfoque no debate e cursos, Stefania Bril (1922-1992) organiza em 1978 o primeiro Encontro Fotográfico de Campos Jordão. Evento paralelo ao festival de música, realizado em julho naquela estância turística, o encontro recebe suporte governamental. O encontro conta com a presença de palestrantes e profissionais de São Paulo. Nova edição é realizada no ano seguinte, sob a mesma coordenação.
Stefania Bril era uma das críticas em ascensão no período com produção contínua veiculada
pelo jornal O Estado de S.Paulo e pela revista Iris. Em 1990, responderia pela iniciativa institucional de maior envergadura
na área cultural na Casa da Fotografia Fuji, que reunia galeria, biblioteca e auditório para palestras e workshops.
Após sua saída do projeto, o complexo manteve uma produção irregular. Em 1995, com a assessoria de
Rosely Nakagawa teve início uma retomada, em ritmo lento, das atividades.
O final da década de 1970 mostra um quadro positivo para a fotografia paulistana, no segmento cultural. Surgem as primeiras
galerias especializadas com alcance não mais restrito a escolas ou lojas e presentes na mídia cultural. Em outubro
de 1979, abre a Fotogaleria Fotóptica, na rua Bela Cintra, patrocinada pela rede de lojas Fotópitca, numa iniciativa
de Thomas e João Farkas. O local contará logo após com a presença de Rosely Nakagawa, uma das primeiras pessoas
a atuar como curadores formalmente. O apoio comercial da rede Fotóptica, mantenedora também da revista Novidades
Fotóptica, um dos principais periódicos especializados, e a equipe da galeria fazem do local um dos focos de atenção
do setor.
Em 1980, surge a Galeria Álbum, de Zé de Boni, sediada na av. Brigadeiro Luiz Antonio, próximo a av. Brasil. Boni
procura implantar um projeto de sustentação da galeria, baseado nos serviços de laboratório, cursos, livraria
e biblioteca. De influência americana, o projeto é seguido parcialmente, restringindo-se à galeria. Em 1982,
a Álbum encerra as atividades
Os primeiros anos da década mostram um quadro diversificado de iniciativas sob os mais diversos aspectos, que será
seguido por um período de redução severa da atividade na área cultural. A galeria Álbum fecha
marcando um momento de transição que se estenderá por mais cinco, seis anos. Em 1987 a revista Fotóptica
tem o mesmo destino de outros veículos. E mesmo a Fotogaleria Fotóptica paralisaria por mais de um ano suas atividades,
reabrindo em 1986 na rua Conego Eugenio Leite.
Fotógrafos em ação
Num quadro de atividades heterogêneas e não integradas, passam a ocorrer alguns movimentos de difusão. Os casos
analisados correspondem a manifestações de maior envergadura e continuidade. Porém, é necessário
ressaltar que alguns procedimentos como a discussão de novos recursos didáticos e formas de veiculação
de imagem são propostos por um conjunto diversificado de participantes. Busca-se difundir, ensinar e oferecer obras de
formas novas.
Por outro lado, os trabalhos críticos sobre as grandes tendências expressivas nos diversos campos de aplicação
da fotografia são de ocorrência reduzida no período, que presencia ao mesmo tempo uma redução do espaço
da crítica na imprensa diária e o crescimento, disperso, da produção acadêmica sobre fotografia.
Fruto direto do movimentado quadro da virada da década, surge em 1980 a União dos Fotógrafos, associação
de caráter pré-sindical. Com grande presença de profissionais ligados a fotojornalismo a entidade começa
a desenvolver atividades procurando difundir seus propósitos e atrair novos associados. Temas como direito autoral, regulamentação
profissional e tabela de honorários marcam suas atividades.
Os eventos de difusão como exposições e feiras ao ar livre mudam de escopo a partir de 1985 com a realização
das Semanas de Fotografia, reunindo cursos, palestras e exposições. O modelo adotado pelos Encontros fotográficos, usuais na
esfera internacional, se repete, encontrando como local adequado para sua realização na Oficina Três Rios (atual
Oficina Cultural Oswald de Andrade, no Bom Retiro), cujo modelo de suporte cultural atende perfeitamente ao projeto.
O modelo da Semana é adotado igualmente pela Funarte e depois o Infoto (Instituto Nacional de Fotografia) em escala nacional,
com eventos regionais de periodicidade anual, o que caracteriza o campo da fotografia e ação cultural de modo único no pais.
A União dos Fotógrafos cria na segunda metade dos anos 80 um desdobramento das Semanas através do projeto Núcleo Permanente de Formação em Linguagem Fotográfica, que previa aulas gratuitas e material de trabalho para projetos selecionados em concurso. O surgimento dessas propostas educativas coincide com duas circunstâncias relevantes:
Em setembro de 1991 é lançado na Galeria Fotóptica o projeto Mês Internacional da Fotografia, programado para
maio de 1993, sob coordenação do NAFOTO - Núcleo dos Amigos da Fotografia, entidade civil formada em abril daquele
ano.
A primeira formação do grupo reunia profissionais com experiência diversificada: (1) jornalistas, como
Nair Benedicto, Marcos Santilli, Juvenal Pereira, Eduardo Simões, com um histórico de projetos com apoio privado; (2) curadores
e organizadores de eventos, como Eduardo Castanho, Rosely Nakagawa, Rubens Fernandes Jr, Stefania Bril, Isabel Amado, com atuações
diversas na esfera governamental, mercado editorial e imprensa. A organização, de caráter fechado, era formada
assim por um grupo de profissionais entre 30 a 40 anos com carreiras estabelecidas (10-15 anos).
Apesar de estruturado por um grupo fechado, a difusão junto à comunidade fotográfica no segmento cultural tem
um bom alcance. Em dezembro de 1991, o projeto é apresentado na V Semana Paulista de Fotografia, organizada pela União
dos Fotógrafos. Eventos preparatórios no ano seguinte fazem uso de promoções como a noite NAFOTO Dança,
em agosto no SESC Pompéia, e os lançamentos de duas séries de postais em dezembro de 1992 e março de
1993.
O I Mês Internacional de Fotografia é realizado em maio de 1993, conforme programação, ocupando os
principais espaços culturais da cidade e galerias ligadas a instituições privadas, tendo como sede para palestras
e cursos o SESC Pompéia, que garante parte importante do suporte de produção. O modelo adotado envolvia patrocínio
de entidades governamentais estrangeiras para exposições internacionais e convidados para palestras e cursos, além
de suporte privado de fornecedores e apoio governamental do estado de São Paulo. A diluição de fontes de recursos
e o apoio estratégico do SESC garantiu ao evento uma liberdade de ação, mas exigia e causava tensões ao
nível de planejamento.
Além da grande coletiva Fotografia Brasileira Contemporânea, no SESC Pompéia, os principiais destaques nas exposições
eram os participantes estrangeiros como Robert Doisneau, Graciela Iturbide, Alain Fleischer, Marc Riboud, Eduardo Gil, Ataulfo Perez
Aznar, Annie Leibovitz e Andreas Muller-Pohle.
Alguns procedimentos adotados pelo núcleo organizador geraram atritos com a comunidade. A centralização de decisões
sobre a ocupação dos espaços cedidos para exposições em toda a cidade - conseqüência
da dificuldade de conciliar um planejamento dessa envergadura com interesses das instituições mantenedoras de
espaços expositivos, das instituições responsáveis pelo patrocínio e fotógrafos em busca de participação
com projetos individuais - motivou um clima de tensão na comissão organizadora ao longo dos primeiros dias do evento.
Críticas a critérios para seleção e organização da grande coletiva brasileira e, ao
mesmo tempo, um aparente descaso da mídia, motivaram um desconforto por parte dos organizadores.
Contudo, o alcance do evento atendia com precisão aos propósitos de difusão e intercâmbio do NAFOTO. Como resultado,
o grupo, que previa a realização do Mês Internacional a cada dois anos, propôs a organização em
1994 do Seminário Internacional de Fotografia, sediado no SENAC - CCA. Reunindo participantes nacionais e estrangeiros,
o evento contava com cursos práticos e uma série de debates ao redor de cinco pontos (história, novas tecnologias,
publicação, identidade e educação).
Embora no período entre 1991 e 1993, o grupo organizador tenha sofrido uma redução no número de participantes,
ele mantém o perfil inicial. Durante o I Mês Internacional foi oferecido ao público a possibilidade de associação,
atividade que não teve continuidade. O NAFOTO, apesar do caráter alternativo da organização, sem vínculos
oficiais, não procurou estabelecer posteriormente uma relação diferenciada com o público.
A continuidade do projeto Mês Internacional tem sido regular. Em maio de 1995, o II Mês Internacional apresenta como tema
central - a Identidade. Sob coordenação de Nair Benedicto, o evento engloba um conjunto de exposições,
cursos e debates ocupando um número similar de espaços na cidade.
Em outubro de 1996, a entidade anuncia para o ano seguinte o III Mês Internacional com o tema Paixão. A comissão
organizadora, no entanto, indica uma grave redução do agrupamento inicial com a participação de Fausto
Chermont, Marcos Santilli, Nair Benedicto, Rubens Fernandes Jr, Rosely Nakagawa.
Embora os objetivos da entidade venham sendo plenamente atendidos, a centralização do grupo organizador, sem o recurso
de formas associativas, tem aparentemente gerado desgaste interno. O procedimento de coordenação central dos espaços
cedidos e a falta de transparência das decisões parecem motivar atritos nos contatos com a comunidade fotográfica
e entidades patrocinadoras. Não é estranho assim, a declaração de Nair Benedicto, em palestra realizada
na Casa da Fotografia Fuji, em 25.10.96, sobre a organização do V Colóquio Latinoamericano de Fotografia e o evento
Fotoseptiembre (México, 09.96). Seu depoimento destaca a organização descentralizada das exposições,
na qual cada participante responde integralmente pela montagem e produção de cada evento, recebendo após
aprovação o "selo" para integrar a programação geral.
Em 1992, surge o grupo Panoramas da Imagem, reunindo um grupo pequeno de fotógrafos (Eli Sudbrack, Everton Ballardin,
José Fujocka Neto, Rubens Mano). Vários de seus participantes estiveram presentes no I Mês Internacional
da Fotografia, no evento Fotografia Construída, realizado no Museu Lasar Segall, com curadoria de Rubens Fernandes
Jr.
Embora voltado à difusão de informação sobre fotografia, a área de atuação do grupo
apresenta desde o início um perfil objetivo, que toma a fotografia como um mídia inserido num conjunto mais próximo
a artes plásticas. Adota o mesmo modelo de eventos concentrados em curto período com cursos e palestras, além de
um coletiva - Novíssimos, voltada para uma produção mais experimental.
O primeiro evento organizado em setembro e outubro de 1993 traz em seu folheto um texto que define os dois pontos referenciais
de atuação: o questionamento à foto como prova de verdade (homologia e descrição) e a visão
da produção contemporânea dissociada da tradicional segmentação de linguagens.
Apresentando um forma associativa informal, o grupo é formado por profissionais de idade média entre 20 a 30 anos, sem
vivência institucional.
Na quarta edição do evento Novíssimos, em setembro/novembro de 1996, o Panoramas da Imagem convive com um
formato do evento de debates e cursos mais amplo. Desde o primeiro semestre apresenta a Oficina de estudos e criação
fotográfica, estruturada em três módulos.
Embora as proposições em primeira instância dos grupos Nafoto e Panoramas não apresentem disparidades,
a comunicação entre os eventos não se realizou. Mantidas as proporções, trabalham igualmente com
os mesmos modelos de evento. A definição de uma linha de atuação mais 'restrita' por parte do Panoramas
não implicou em isolamento em relação à comunidade. A repercussão de eventos de longa duração
como a Oficina de estudos indica que um recorte mais preciso acabou atraindo de modo mais consistente uma platéia expressiva,
em parte, formada por ingressantes e interessados em artes plásticas.
Objetivos precisos não implicaram no conjunto das atividades em uma redução do campo fotográfico a ser
questionado: fotojornalismo e moda são alguns dos temas tratados na busca de reflexão da 'presença da imagem
fotográfica' (palavras de Rubens Mano na abertura de palestra no MUBE, em 18.11.96).
Do ponto de vista associativo, Panoramas parece ter de enfrentar as mesmas questões de continuidade de um grupo fechado.
Sem forma jurídica como o NAFOTO, o grupo parece refletir mais as necessidades específicas de um segmento da produção
fotográfica que procura reconhecimento e entendimento.
Grupos Fotográficos
Não seria possível deixar fora deste ensaio algumas ocorrências com certa similaridade, que parecem refletir
uma contínua insatisfação de produtores e interessados em fotografia em São Paulo. Como sociedade
híbrida, seja economicamente convivendo com faces diversas, seja culturalmente convivendo com expressões e meios aparentemente
contraditórios, os agentes sociais do processo paulistano (e numa redução, falando do panorama fotográfico
na cidade neste século) parecem ter procurado formas de contornar horizontes informes.
Trata-se de registrar a ocorrência de grupos fotográficos, formados em geral por amadores de classe média alta. Nos
anos 50, como uma forma de ampliar as atividades desenvolvidas no Foto Cine Clube Bandeirante surge o Grupo dos Seis, do qual
fazia parte Gaspar Gasparian. Seus participantes dedicam-se ao debate e análise da produção própria,
participando do circuito fotoclubístico de exposições.
Na década seguinte, temos o Novo Angulo, entre 1967 e 1968, com a presença de Alberto Martinez, Carlos Moreira, José
Reis e Marilyn Tinnye, cuja atividade parece indicar um desligamento da influência dos fotoclubes e a busca de formas de reflexão
e exposição do trabalho num circuito mais amplo. Várias iniciativas sem continuidade do mesmo período
mal deixam registros.
Em 1977, ainda como dissidência do Foto Cine Clube Bandeirante, é formado o grupo Cromos, com objetivo de incentivar
a fotografia artística e o intercâmbio com salões nacionais e internacionais, pesquisar e criar, mantendo-se atualizado
com as tendências e rumos da fotografia no mundo moderno. (conforme declaração de Frederico Mielenhausen,
em: Cromos Grupo fotográfico. CURTNEWS, (2): 3, set.1992). É claro assim a orientação centrípeta
dessas associações, que não apresentam uma estrutura funcional, nem formas de ingresso definidas. Na década
de 80, aparece ainda o ASA 1000, dissidência igualmente do FCCB, inicialmente denominado Novos Bandeirantes. Processo
similar de autofagia ocorre com este grupo, ao gerar em meados da década seguinte o grupo Photographus.
Como resultado das atividades do NAFOTO e Panoramas, têm surgido nos últimos anos uma série de associações
de fotógrafos, cujo perfil se aproxima contudo dos apresentados pelos grupos fotográficos acima, com objetivos orientados
estritamente para debate e promoção de participações em eventos de seus membros. Entre eles, temos Nervo Ótico
de Fotografia - (ESPM-1996), VAGA LUZ (1996), Núcleo Photocélula (1996), Núcleo de Fotografia dos Bancários (1996)
e CLIC - Clube Linguagem Comunicação - CLIC (1991-1992).
Seria importante possibilitar a esses grupos analisar/alterar o formato de participação, para um formato menos endógeno. O intercâmbio entre grupos e movimentos como NAFOTO e Panoramas poderia gerar uma dinâmica no 'sistema'. Essa expectativa remete à apreciação de A. Bronson sobre artist-initiated activity em Toronto:
Conclusões
O que há de menos relevante na experiência dos movimentos gerenciados por artistas na área de fotografia neste panorama
paulistano de duas décadas, é o fato de que essas iniciativas não apresentaram uma motivação
econômica. Elas respondiam sim a um panorama pouco estimulante, ocupando espaços institucionais sem projeto claro, desarticulados
e desestruturados por motivos diversos (gestão federal Collor, gestão estadual - Mário Covas). Alguma
influência distante poderia ser apontada nos anos 90 ao fim da FUNARTE, órgão federal, e a presença
de espaços expositivos sem projetos curatoriais claros como a Galeria Fotóptica.
Fundamental é o fato que esses artistas na busca de movimentar a cena artística adotam uma atuação complementar
e colaborativa com instituições oficiais. Não criaram, nem existem sinais de que isso mude, estruturas permanentes
ou formas de associação abertas. Assim, parece duvidoso, num horizonte tradicional de a-memória, a transformação
desses movimentos em pólos de agregação, ao menos considerando o perfil tradicional associado a essa função.
Retomando alguns pontos, vale ressaltar que as atividades dos movimentos analisado nunca foram marginais, ao contrário.
A afluência de público sempre foi constante e intensa. Foram propostas como formas de vencer a inoperância das
instituições e falta de projeto e continuidade de ação em exibição e ensino.
A matriz adotada pelo eventos, concentrando em curto período (semanas/mês) uma diversidade de exposições,
cursos e palestras é um formato padrão, adotado no país como um todo. A ampla participação,
restringindo-se a parte paga aos cursos, facilitou uma resposta do público. No tocante a recursos, o apoio do estado não
implicou em adesão, mas em cooperação. A escala dos eventos exigiu paralelamente um leque maior de fontes
de apoio evitando uma eventual oficialização. De forma curiosa, nenhum desses grupos parece ter contado com o apoio
de leis de incentivo (Sarney, Rouanet, Marcos Mendonça).
Numa breve avaliação da programação dos diversos eventos, ressalta a ausência de uma visão
regionalista. A baixa participação de profissionais de outros estados refletem mais a dificuldade de contato de profissionais
desses centros produtores. Nesse aspecto as semanas de fotografia foram produtivas para ampliar os contatos entre profissionais
das diversas regiões do país. Iniciativas similares ocorrem em outras cidades como em Belém de Pará
com o grupo Dependentes da Luz, ou, no Estado de São Paulo, em Santos e Campinas. A presença de público de outros
estados, nos eventos de maior escala como o Mês Internacional, era comum.
Problemático, porém, é a falta de mecanismo de renovação da composição dos grupos,
sua continuidade e isolamento. A escala dos eventos promovidos e o planejamento estratégico necessário colabora
no tensionamento das relações internas e externas ao movimento, cujos participantes convivem com a necessidade de
conciliar o trabalho pessoal e as dúvidas sobre a inserção social dos projetos desenvolvidos e o desconhecimento do alcance
dos eventos. Chama a atenção nesses movimentos a participação mínima de críticos e
pesquisadores universitários na sua organização.
A presença desses movimentos gerenciados por artistas no contexto paulista é fundamental para a difusão de
novas produções e intercâmbio de idéias. A análise mais extensiva do tema é uma oportunidade
para refletir sobre dinâmica cultural e pensar novas formas de ação. Porém, é necessário
ressaltar que o panorama fotográfico paulista mudou. A diversidade e extensão da produção exige
que se tenha em mente a impossibilidade de uma perspectiva consensual. A avaliação desses movimentos terá de considerar
que a diversidade não permite mais soluções únicas. Novos formatos devem ser introduzidos. Novas dinâmicas.