How do you say: da-guer-re-o-ty-pe ?
A chegada da daguerreotipia ao Brasil - e o registro da realização do primeiro daguerreótipo
na America Latina - é um marco conhecido. No entanto, este episódio presente em tantas versões da
história da fotografia no Brasil nunca foi objeto de
investigação mais detalhada. Varias perguntas em aberto não foram aparentemente objeto de pesquisa.
Não apenas a usual questão sobre
o destino destas primeiras imagens, mas outras de igual relevância.
O navio que transportava Compte não teria atracado anteriormente em outro porto brasileiro, como seria usual?
Talvez Salvador ou Recife? Não teria realizado ali nenhum registro em daguerreotipia?
No caso de resposta negativa, por qual motivo?
Porque Compte teria esperado quase um mês para realizar suas imagens no Rio de Janeiro onde se encontrava d
esde o Natal?
Poucos dados est´ disponíveis sobre Compte. Talvez apenas sua passagem por Montevidéu,
mencionada por Sara Facio em seu livro La fotografía en la Argentina (La Azotea, 1995),
que apresenta a curiosa forma de chegada do invento a Buenos Aires
- unicamente através de relatos enviados de Montevidéu -, isolada pela
esquadra francesa, em bloqueio que visava enfraquecer o governo de Rosas.
A falta de pesquisa sobre o episódio é preocupante. Em especial se lembrarmos da fronteira entre
mito e história que parece ser alimentada por este desinteresse. Além disso, Compte é,
entre nós, o primeiro elemento de uma longa forma de
produção fotográfica que se instalará - a do fotógrafo ambulante.
Esse ciclo fundamental em que profissionais - especializados exclusivamente ou não em daguerreotipia/fotografia -
circulam por todo o território nacional a partir da costa litorânea marca a difusão efetiva de um
novo meio de representação.
Foram eles que introduziram efetivamente e ensinaram-aprenderam-criaram formas de uso e compreensão do novo instrumento.
Nao h´ muito além de curiosidades sobre este momento-chave na produção historiográfica
brasileira. Outro aspecto peculiar deste ciclo é também ignorado - a forma como estes profissionais
estabeleciam em suas viagens roteiros entre alguns países vizinhos. Apenas em 2002, Boris Kossoy em seu
Dicionário histórico-fotográfico brasileiro (IMS) traria informes mais
detalhados sobre diversos fotógrafos de fronteira, atuando em especial na região do Prata.
Nossa historiografia revela assim o seu lado ensimesmado, provinciano.
O ensaio apresentado aqui, de autoria de Rupert Derek Wood, é uma feliz descoberta.
Sobre o autor:
De origem, pesquisador em microscopia eletrônica na área de biomedicina, em Londres, Derek Wood
dedica-se há alguns anos aos estudos sobre as pesquisas que resultaram no desenvolvimento da daguarreotipia e
na calotipia durante a década de 1830. Mantém um
site pessoal que reúne diversos ensaios sobre o
período (embora com severos problemas de conexão internet).
Suas pesquisas destacam não apenas questões relativas ao desenvolvimento técnico, mas em especial
a difusão do novo meio e disputas legais sobre os processos.
O panorama apresentado aqui permite estabelecer algumas hipóteses para as perguntas levantadas de início.
Mas vai além disso.
Primeiro, estabelece um elo inesperado entre a difusão da fotografia na América Latina e a Austrália.
Traça um quadro dessa empreitada entre o épico e o rocambolesco (em especial, introduz ainda o quadro
político do colonialismo no Pacífico).
Recomenda-se ao leitor a leitura dos apêndices que trazem os
roteiros percorridos pela duas embarcações que compunham a expedição.
Acrescentam detalhes inesperados como a descrição da apresentação do novo aparelho à
rainha Maria da Glória, de Portugal, irmã mais velha do futuro
imperador brasileiro Dom Pedro II, que conheceria o invento meses depois com os olhos de um adolescente de 14 anos
(ainda que futuro imperador).
Sobre algumas das perguntas iniciais é enfim possível supor que o contexto da expedição em sua
partida logo após a disponibilização dos primeiros equipamentos para daguerreotipia submetia
as condições de trabalho a severo controle.
Muito provavelmente Compte e Lucas em suas primeiras (eventuais) paradas em Salvador e Recife teriam tentado restringir
a realização de imagens a situações que permitissem conquistar futuros clientes.
Com alguma certeza, disporiam de um
estoque limitado de chapas e suprimentos, o que exigia um planejamento, ainda mais considerando a longa viagem pela frente.
Assim neste quadro, seria coompreensível que chegando ao Rio esperassem como circunstância privilegiada
para anunciar o invento uma sessão perante a Corte.
Hipóteses, meras hipóteses para muito trabalho a fazer.
O autor Derek Wood recomenda, como complemento, uma visita ao site
Fotohistoria, de R. Ferrari,
sobre história da fotografia na Argentina e na América Latina.
Estão disponíveis em espanhol dois textos de 1840, período em que L'Oriental
chega a Montevidéu. O primeiro registro sobre a técnica da daguerreotipia no Uruguai e
as demonstrações por Louis Comte foram feitos por Florencio Varela no Correio del Plata,
em 04 de março de 1840, e por Teodore Vilardebó, em El Nacional, de Montevidéu,
em 06 de março de 1840.
Ricardo Mendes
FotoPlus expresses gratitude to Mr. Derek Wood for the permission to publish his article.
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