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A 23 de Janeiro de 1999 Frederick Sommer morreu em sua casa em Prescott, Arizona. Não tinha filhos. Frances Watson Sommer é o nome de sua viúva, com quem foi casado por 71 (!) anos. Deixou duas casas em Prescott, uma enorme coleção de discos e livros, muitos amigos e admiradores e, já constituída, a Frederick and Frances Sommer Foundation, que será operada por seus três colaboradores diretos, Walton Mendelson, Steve Aldrich e Naomi Lyons. Fred deixou, também, uma obra fotográfica absolutamente genial, hoje espalhada em pequenas e valiosíssimas coleções por museus norte-americanos e europeus. Sua dedicação à arte - lúcida, absoluta e constante - fez com que ele pudesse realizar o sonho de todo rebelde: lutar com dificuldades por toda a vida, tentando, muitas vezes sem êxito, provar suas razões e triunfar no final: o reconhecimento que cerca seu veio acompanhado por agradável sucesso financeiro. Em 1995, o Getty Museum adquiriu uma extensa coleção de sua obra e toda sua biblioteca para criar um espaço especial de homenagem a ele. A transação envolveu uma soma bem mais do que regular, que permitiu criar a Fundação e construir uma confortável guesthouse que, em Fevereiro de 1996, eu tive a honra de inaugurar. Conheci Fred Sommer em Julho de 1984, quando cheguei nos Estados Unidos com uma bolsa da Fulbright que me permitiu trabalhar com ele por um ano. Foi uma surpresa para mim - mais do que surpresa, um susto - descobrir que aquele senhor de 79 anos era quase brasileiro: Fred nasceu na Itália, em 1905, de pai alemão e mãe suíça, teve um irmão e, em 1913, a família veio para o Brasil, onde Fred ficou, com curta interrupção, até 1930. Dos sete aos vinte e cinco anos de idade, tempo suficiente, em especial nesse período da vida, para marcar para sempre qualquer personalidade. Cresceu no Rio de Janeiro, onde começou a desenhar e a trabalhar como arquiteto. Foi Mestre em Paisagismo pela Universidade de Cornell, casou com Frances e retornou ao Brasil. Novamente no Rio, teve escritório por dois anos, até 1930, quando, com um diagnóstico de tuberculose, partiu para Arosa, na Suiça - e nunca mais voltou. O nosso passado comum nos aproximou muito. Houve, digamos, uma empatia recíproca, reformada pelo carinho que ele nunca deixou de sentir pelo Brasil e pela curiosidade sobre o país, justificada por 54 anos de ausência. E, ao fim do ano vivido lá, tinha se estabelecido uma relação de amizade sólida, carinhosa, quase familiar.
Fiquei cinco anos sem vê-lo. Voltei a Prescott somente em 1990, quando recebi uma bolsa da VITAE para pesquisar sobre a vida de Fred Sommer no Brasil, tentando descobrir traços brasileiros que marcassem sua obra. Fred entusiasmou-se com meu projeto, reuniu lembranças, reavivou memórias, até seu pouquíssimo Português reviveu um pouco. Levantei muitas informações, encontrei pistas dele no Rio de Janeiro (existem, por exemplo, três selos comemorativos do IV Congresso Pan-Americano de Arquitetos que foram desenhados por ele) e ele próprio me fez perceber o significado dos anos de sua formação para as formas de pensamento e para a obra que ele veio a gerar. Mas não creio que suas imagens revelem uma ligação direta com o Brasil. Emmet Gowin, respondendo a uma pergunta que fiz sobre o passado brasileiro de Fred, disse:
Mas parece que a América do Norte de 1940 não soube entender o pequeno melting pot.. Antes de começar a ter o reconhecimento que merecia, Fred Sommer atravessou quase trinta anos sendo evitado pelo establishment.. Beaumont Newhall, por exemplo, não incluiu seu nome na primeira edição de sua História da Fotografia - falha que corrigiu, discretamente, nas edições posteriores. Para entender o porquê do engasgo que suas imagens e idéias provocavam nas opiniões da mídia não é necessária muita reflexão. Simplesmente, o bom-mocismo da sociedade conservadora e puritana dos Estados Unidos de 1940 não podia entender porquê diabos um artista sério e bem intencionado deveria colocar em suas obras coisas tão desagradáveis quanto um pé decepado, algumas cabeças e c+s de galinha, velhas ilustrações sujas e rasgadas, carcaças tragicamente sorridentes e peladas de coiotes mortos por caçadores; ou porquê um paisagista se interessava pelo monótono deserto de pedras e cactus do Arizona extraindo dele imagens de geometria e escala francamente absurdas. Enfim, porquê um fotógrafo decente produziria imagens sem usar sua câmera, pintando negativos em celofane, pintando vidros com fumaça de vela e fazendo fotografias de coisas que não existem? Não é fácil, aqui no Brasil, encontrar livros de Fred Sommer, onde suas imagens e seu pensamento possam ser conhecidos. Tanto quanto eu saiba, as únicas traduções de textos de Fred são minhas e fazem parte do meu livro sobre ele - que, contra minha vontade, ainda é inédito. E a riqueza e complexidade de sua obra é tão grande que fica muito difícil falar sobre ela num texto curto.
Assim, para concluir, creio que a melhor forma de homenagear o Fred é transcrever, aqui, algumas palavras dele, ditas em 1990, e um pequeno poema, de 1995:
Eu vivia no Brasil, no Rio de Janeiro, que está literalmente à beira da selva. A beleza da floresta tropical envolve o Rio. Eu me interessei por essas coisas; foi fácil. É fácil chegar ao exótico - difícil é chegar à disciplina necessária para entender o exótico. Não podemos fazer nada que já não tenhamos, de alguma forma, feito antes. Assim, tudo está ligado à minha educação original, de onde eu trouxe essa forma de curiosidade. Às vezes eles se perguntam como é que eu cheguei, aqui, a essa síntese. Na verdade, o importante sobre isto é saber que não há síntese possível de elementos que já não tenham estado juntos no passado. Acho positivo que se estabeleçam alguns dados "históricos", mas eu não perderia muito tempo pesquisando sobre eles - gostaria de ver mais pesquisa sobre as idéias que meu trabalho representa. O interessante, no entanto, é que isto não será muito bem recebido; já vivi o bastante para saber que eu encontro resistência. Nada pessoal: são as idéias que encontram resistência, ao menos neste país. E não esteja tão certo sobre o Brasil; vivi lá e sei que não será muito diferente. Idéias encontram resistência em toda parte. Mas é melhor esquecer esta preocupação com países: vamos falar apenas de mim e do meu trabalho - tudo o que eu possa dizer estará relacionado com o Brasil.
Luiz Carlos Felizardo Fevereiro de 1999 |
linha Agradecimentos FotoPlus agradece ao autor pela cessão do material para esta edição do boletim Páginas Negras. |
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