Barros Lobo é, à primeira vista, um entre centenas de fotógrafos profissionais paulistanos na primeira metade deste século, cuja produção e trajetória são praticamente desconhecidas. Algumas imagens produzidas pelo seu estúdio Photo Lobo podem ser encontradas em acervos públicos. Entre eles, o Museu Paulista (USP), na coleção Orôncio Vaz Arruda, num exemplo de reportagem social ao registrar um baile a fantasia na Vila Penteado, em Higienópolis. Outro conjunto, mais expressivo, que integra o acervo do MIS, documenta o edifício do Automóvel Clube de São Paulo, na rua Libero Badaró, provavelmente nos anos 20. A historiografia sobre o panorama fotográfico paulistano mal registra a presença de Barros Lobo pela falta de dados mais relevantes. No entanto, uma das atividades a que está ligado o fotógrafo constitui uma das mais ricas fontes sobre a fotografia em São Paulo nos anos 10. Trata-se da revista Illustração Photográphica. Esta edição de Páginas Negras era comentar os cinco exemplares remanescentes desta publicação, a indicar a necessidade urgente de reavaliar a importância de seu realizador.
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Data de 1914 a primeira referência a Photo Lobo, na revista A Cigarra, de 16.09.14, em publicidade sobre o Banco do Commércio e Industria de S.Paulo. O anúncio é ilustrado com várias fotos, uma delas creditada com o nome do estabelecimento sobre a imagem. Um flagrante, provavelmente realizado com flash, registrando "Um aspecto do salão destinado às transacções do publico, à hora do expediente do Banco." Uma das fotos, igualmente assinada, apresenta o nome do estúdio riscado, fato que parece prenunciar um dos tópicos de interesse de Barros Lobo nos anos seguintes. Apenas em 1918 tem-se notícia de seu estúdio à travessa da Sé n.19 – sobreloja. A partir do ano seguinte, até 1922, Photo Lobo estará em funcionamento à Rua 15 de Novembro n.50 – B – sobreloja, provavelmente ao lado da Photographia Sarracino. A seguir, permanecerá até 1926 na mesma rua, no número 24 – 4.andar – sala 4. Neste período, o nome de Barros Lobo aparece associado a estabelecimentos sob as denominações: Lobo & Soares, e depois, Lobo & C. Após aquela data, não se encontram mais registros sobre o fotógrafo. Embora essa carreira profissional pareça reduzida, é no endereço da Rua 15 de Novembro n.50-B, que o fotógrafo se dedicará com intensidade, como indica com destaque o carimbo utilizado no verso de suas fotos, às Reportagens Photográphicas. Sinal evidente que o quadro profissional nos anos 10 em São Paulo já permitia a implementação de uma segmentação de mercado. Não apenas através da presença dos primeiros fotojornalistas atuantes nas novas revistas como A Cigarra ou Vida Moderna; mas reportagens fora de estúdio para registros sociais, documentação de obras e arquitetura ou campos mais restritos como a microfotografia, especialização a que se dedicaria, por exemplo, Alberto Federman a partir da metade da década de 1920. Um resumo das possibilidades de atuação no período é revelado através de anúncio de Photo Lobo, que se apresenta praticamente como uma agencia jornalística:
Centro de Reportagens Photographicas Photographos e correspondentes de diversos jornaes nacionaes e estrangeiros Reportagens, reproduções, ampliações Microphotographias, analyses (reconstituição de phrases apagadas, comparação de firmas, etc.) Reconstituição de photographias antigas, vistas para cinema, a negro ou a cores, etc.–Copiação e revelação de chapas e films Com archivo de todas as suas chapas, o maior no genero entre nós, dispondo de pessoal habilitado e de processos inteiramente novos e do que de mais moderno existe na arte photographica, o Centro de Reportagens Photographicas "Photo Lobo" acha-se habilitado para executar com a maior presteza e perfeição, todos os trabalhos concernentes à sua arte. Rua 15 de Novembro,N.50-B Telephones: central,5592 Braz, 1474 São Paulo |
Automóvel Club de São Paulo - fachada lateral Photo Lobo. Anos 20 |
O anúncio é publicado no segundo número de Illustração Photographica. Lançada como suplemento da Illustração de S. Paulo, apenas em sua segunda edição, de abril de 1919, a nova revista ganhará autonomia. O expediente dessa edição indica o próprio fotógrafo A. Barros Lobo como diretor e proprietário, com redação à rua Boa Vista. Oferece assinaturas com preços diferenciados para o Brasil e o exterior. Apresenta-se então, em suas oito páginas, como Jornal dos photographos e amadores. O artigo de abertura sinaliza a visão da revista: A photographia e sua missão social.
Na Cinematographia é ella, por si só, uma instituição. Industria gigante que sustenta muitas outras industrias. Quem não conhece a Cinematographia e a sua acção civilisadora, instructiva e recreativa? Nas industrias serve ella para melhor conhecermos as ligas e temperas dos metaes e até descobrir os defeitos de peças mais delicadas dos machinismos modernos, faz-lhes a propaganda e sustenta innumeras e grandes usinas que fabricam os seus artigos de chimica, optica e mechanica. No telescopio e no microscopio, os dois extremos, desvenda-nos os mysterios celestes e separan-nos o atomo. Os mundos do espaço e os mundos do pó. Photographa-se o som. Estudam-se, desta arte, os accordes difficeis. Nas questões judiciaes descobre as fraudes da escripta e na criminologia muitos bandidos tem descoberto. Na medicina facilita o trabalho do cirurgião, alivia os doentes, e quantos e quantos não devem a sua vida à radiographia? (p.3)
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Illustração Photográphica - 1919 - n.4 |
Revista de um homem só, o tom contestador acaba permeando o texto, mantendo porém o valor informativo (e documental). Assim em A photographia aerea no Brasil contesta-se a primazia atribuída pelo jornal O Estado de São Paulo, ao apontar como primeira foto aérea realizada no Brasil a imagem publicada no Estadinho do dia 05.04.19. Refere-se então a Magalhães Costa que, "há 14 anos bem puchados", realizou ascensões no Rio de Janeiro, quando Paulino Botelho, fotógrafo da Gazeta de Noticias, realiza imagens aéreas, além de registro dos aerostatos. No artigo, A exposição de animaes e os photographos, critica a prática dos organizadores em adotar um fotógrafo oficial "de há muito um nomeado ou semi-nomeado", referindo-se a André Mazza, que detém exclusividade da cobertura. Os anúncios inseridos nesta edição acabam revelando com mais detalhes o perfil da publicação. Em Aos senhores amadores, o texto indica implicitamente que se trata de uma revista associada ao comércio fotográfico, ao recomendar os laboratórios da Casa Otto Stuck, à rua Boa Vista n.53-A, sob direção de Barros Lobo. E fechando o número 2, o anúncio de capa define com precisão o público a que se dirige a revista: "Pedagogos, médicos, advogados, agricultores, Industriaes, Commerciantes, Pintores (...) A photographia é a mais poderosa auxiliar de que deveis lançar mão. Facilita-vos o trabalho e faz-vos a propaganda." As edições seguintes parecem apenas amplificar o padrão adotado no número comentado. O exemplar, de numero 3, de maio, abre com o artigo A nossa missão:
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Automóvel Club de São Paulo - Salão Photo Lobo. Anos 20. |
A revista comenta ainda em Como fomos recebidos as notas na imprensa local sobre a nova publicação, como Jornal do Commercio, de 01.05.1919, e Correio Paulistano, do dia 05. Fica evidente que Lobo tem a colaboração de outros profissionais, como em Os nossos concursos, que conta no juri com Valério Vieira, Miguel Favola, pintor e colorista, e o amador João de Sá Rocha. A edição n.6, de janeiro de 1920, indica ainda que o numero 1 tivera uma segunda edição, devido ao interesse despertado. A preocupação com aspectos trabalhistas, que se tornará um dos grandes temas da publicação, é complementada por tópicos como o apresentado no artigo Hygiene do photographo, sobre problemas causados pela manipulação de produtos químicos. Na edição numero 6 de janeiro de 1920, surge outro tema inusitado apresentado no artigo Collis Postaux, que critica "a introdução clandestina de photographias extrangeiras" via correio. O articullista – leia-se Barros Lobo – comenta a concorrência de preço com o material importado, na maioria das vezes, de procedência americana. A remessa do material pelo correio evita a taxação alfandegária, permitindo o ingresso do produto a preço competitivo. O valor documental da revista é ampliado, além dos textos e anúncios, por fatos ocasionais como o artigo, do numero 3, Como se deve revelar, que é ilustrado com imagens de processamento químico realizado por uma mulher. Embora seja usual em outros países a mão de obra feminina, e mesmo em São Paulo no inicio do século, como indicam alguns depoimentos, seja conhecida a ocorrência deste gênero de mão de obra nos estúdios e na área de fotopintura, estas ilustrações são até agora o único registro do período. A quarta edição de Illustração Photográphica, de junho, apresenta-se com novo subtitulo, mais ambicioso: Revista scientifica mensal e de ensino da photographia e artes correlativas. O expediente indica que a redação funciona agora no endereço da empresa Photo Lobo. Amplia-se a ênfase dada às questões trabalhistas, mesmo nas pequenas notas como Um bom exempo a seguir, sobre a reunião da Associação dos Empregados no Commercio de São Paulo para tratar de legislação trabalhista: "Quando é que os photographos farão uma reunião igual?" No artigo A aviação e a photographia, critica-se o projeto de lei apresentado no Congresso, que inclui clausula que proíbe o uso de aparelhos fotográficos pela tripulações e passageiros . "S.Exa. faria bonito se em lugar daquella 'Clausula 44' houvesse redigido projecto de lei sobre a photographia, não para cercear a liberdade do photographo, mas para lhe garantir os direitos que até hoje todos os editores tem menosprezado." No mesmo artigo, o articulista comenta a necessidade de um Código de Imprensa para:
Não há com a photographia o mesmo perigo que acompanha a penna. Esta, nas mãos de jornalistas exaltados, sacrifica os direitos das gentes, a segurança pública e a moral. Faça-se o 'Codigo da Imprensa; a photographia faz parte desta velha instituição que a demasiada liberdade profissional vai arrastando por um declive tenebroso. (p.26)
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Automóvel Club de São Paulo - Corredor Photo Lobo. Anos 20. |
O tom reinvidicatório chega a ser excessivo, mau humorado, mas permite ironias como na nota Associação dos Photographos de Imprensa, ilustrada com foto do time de futebol dos fotógrafos de imprensa do Rio de Janeiro, ao exaltar os profissionais a formação de uma associação para tratar dos interesses da classe. Nota que finaliza, porém, em tom lacônico, ao mencionar o insucesso da tentativa do articulista em reunir os colegas em associação.
Victimas de todas as extorsões por parte das emprezas jornalisticas, como suppõem, eles não são mais que victimas da sua propria desunião. (p.29)
Mas o quadro de dificuldades para o fotógrafo profissional traçado pela revista, é acompanhado de conquistas isoladas. É o que indica o artigo Os direitos do Photographo , na quinta edição, de novembro de 1919, complementado no número seguinte, a indicar a importância atribuída pela revista ao tema.
Sem contractos assignados, sem auctorisação firmada pelo photographo, os jornaes estão sujeitos até a aprehensão da edição que a lei considera fraudulenta. (p.35)
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Automóvel Club de São Paulo - Salão de bilhar. Photo Lobo. Anos 20. |
O artigo descreve a prática de venda de clichês, já publicados, e reutilização sem autorização do editor original. E comenta a cada caso, os artigos do Código Civil que se aplicam, em especial na sexta edição, em 1920, que destaca o capitulo VI – Da propriedade litteraria, scientifica e artistica. A leitura de Illustração Photographica revela um panorama diversificado, mais do que é conhecido pela historiografia até o momento. Impõe ao leitor contemporâneo, ao pesquisador, algumas perspectivas e algumas dúvidas. Por um lado a necessidade de ampliar as investigações, além da pesquisa iconográfica, mas à procura de outras fontes documentais sobre a prática profissional. Por outro lado, fica a dúvida, motivada pelo contraste do painel apresentado em relação ao conhecido até o momento, sobre a unicidade da revista Illustração Photográfica. Uma andorinha só não faz um verão? Barros Lobo, articulista e ativista, é um caso isolado no panorama da década de 20? Qual a repercussão de suas idéias? Como investigar e avaliar esta nova perspectiva da historia da fotografia paulistana?
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Automóvel Club de São Paulo - Associados Photo Lobo. Anos 20. |
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linha Agradecimentos FotoPlus agradece ao Museu Paulista-USP, por autorizar a reprodução da revista Illustração Photográphica, e ao MIS-SP, pelas imagens do álbum Automóvel Club de São Paulo, para esta edição do boletim Páginas Negras. |
Página criada por Ricardo Mendes
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