Programa de Pós-Graduação em Letras
Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Ficções Flusserianas:
sobre Ficções filosóficas,
de Vilém Flusser


sobre "Espectros - Uma Conferência do Arcanjo Gabriel."

Eloá Gonçalves Monteiro

 "Besteira, portanto, será a do leitor se acreditar piamente na sapiência
do narrador. Desde o princípio ele só sabe que de nada sabe, expandindo a
ironia imanente `a fórmula paradoxal atribuída a Sócrates."

Gustavo Bernardo. "O que não se sabe."
Cadernos de Mestrado,p.24,1994.

Assim, também, ironicamente, Flusser inicia seu texto. O texto todo parece "uma brincadeira"com os materialistas. Partindo do título, faz justamente o oposto do que fizeram os materialistas. É o Arcanjo Gabriel quem faz uma conferência para provar a não-existência dos "corpos vivos", como anunciou a grande revelação à Maria.

A conferência do Arcanjo visa a combater a seguinte teoria:

"Aquilo que chamamos nascimento de um espírito não é mais que a morte de um corpo vivo. E aquilo que chamamos morte de um espírito não é mais que a sua encarnação. As idéias confusas dos espíritos recém-nascidos são reminiscências de uma vida em corpo. O desparecimento do espírito é a sua passagem para um reino fantasmagórico, meio espiritual e meio corporal. A conhecida inquietação do espírito antes da morte é seu desejo de encarnar-se."(p.89)

Ao tentar derrubar a teoria acima o Arcanjo inicia uma análise espectral, decompondo, pouco a pouco, a teoria que quer combater.Para tanto, utiliza os argumentos da teoria em questão, dobrando-os a seu favor. Seu raciocínio, aparentemente linear, é cíclico, pois a todo momento volta ao mesmo ponto, para concluir "portanto, impossível". Impossível seria justamente a situação proposta.

Podemos observar o espírito errático de Flusser, oscilando entre o paradoxo e a tautologia. Apesar de seu narrador apresentar-se sob forma de um ser espiritual, percebemos seus argumentos direcionados pela lógica(Teológica), para falar sobre coisas que "escapariam"à lógica. Interessante perceber a manipulaç!ão das pe;cas do jogo e como as mesmas se encaixam dentro de um modelo pré-estabelecido, objetivando a defesa dos argumentos do narrador.

E ntretanto, as aparentes certezas do "orador" são provocações que o autor vai (se) fazendo para despertar o questionamento do próprio ser. Provocações, essas, que são também tentativas de "branquear a caixa preta"das filosofias religiosas, todas com pressupostos intocavelmente maniqueístas.

Seguindo as regras desse jogo, podemos mover as peças com o mesmo raciocínio utilizado em Unicórnios (FLUSSER,1972):

"Não se pode dizer que Deus não existe, porque seria primeiro necessário definir o termo "Deus". Coisa impossível."

Percebemos o que Flusser queria nos dizer com "É verdade que certos fenômenos observados nessas ocasiões não podem ser explicados totalmente pela ciência."(pg.90). Assim como o Arcanjo Gabriel, estamos o tempo todo negando o inegável; encaixotando o indizível sob o rótulo nada , justamente porque de nada sabemos.

E vamos ao encontro de Sócrates...


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