Este texto - um pequeno depoimento sobre Flusser -
foi publicado originalmente na Revista Politécnica (207), em outubro de 1992, juntamente com o texto O aparelho cibernético de Vilém Flusser, incluso no seu livro Gesten (1991), e nota biográfica pelo professor Milton Vargas. |
Durante mais de 25 anos tive o privilégio de conviver,
em graus de intensidade variável com o professor Flusser.
O primeiro encontro remonta a minha adolescência, quando,
por convite de um amigo mais velho, freqüentei algumas vezes
a residência do casal Flusser nos fins de semana, em que
mantinha a casa aberta. Lá estavam pessoas para mim então
desconhecidas, em sua quase totalidade, discutindo - desestruturada
mas articuladamente, amistosa mas intensamente - as últimas
novidades acerca da concepção do universo, das limitações
da ciência, das possibilidades do conhecimento humano e
outros tantos temas excitantes.
O contato mais profundo foi em 1969, durante o terceiro ano do
curso de engenharia na Poli-USP, onde ele lecionava a disciplina
Filosofia e Evolução da Ciência. Desde a primeira
aula, em que replicava com muito charme e rigor o movimento cartesiano
da dúvida, abria aos alunos uma janela nova para o mundo
das idéias. Era fascinante ouvi-lo expor os pensamentos
de Leibniz ou explicar o Princípio de Heisenberg - a nós,
veteranos de Cálculo n e de Física n, matérias
que haviam sido lecionadas apenas instrumentalmente (acabei, naturalmente,
sendo o "paneleiro" da disciplina).
Mais tarde, passei a freqüentar os ciclos de palestras que
Flusser ministrava quando, anualmente, visitava o Brasil. Entre
os que me estão até hoje presentes, destaco os
ciclos sobre o gestual e sobre a condição judáica
que fez na Casa de Goethe, e sobre tecnologia/ecologia, no auditório
pequeno do Masp.
Diversos textos, como os artigos publicados no então Suplemento
Cultural de O Estado de S.Paulo, a introdução
ao livro Novelas de Jerusalém (que contém
textos do prêmio Nobel S. Y. Agnon), e seus livros (como
A história do diabo) servem de amostra do rigor
intelectual e da originalidade de Flusser aos que não tiveram
a oportunidade de saborear suas aulas e palestras.
Sua ausência prematura entristeceu a todos os amigos que
deixou quando passou a viver em França, terceiro lar desse
cidadão do mundo (do primeiro, a Tchescolováquia,
havia sido obrigado a sair para salvar-se da besta nacional-socialista
alemã). Vale a expressão pessoal em seu Cancioneiro:
"A morte é a curva da estrada. Morrer é só
não ser visto." Guilherme Ary Plonski
Professor-assistente-doutor do Depto de Engenharia de Produção da Poli-USP e do Depto de Administração da FEA-USP |
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